![]() |
A Camerata Parahyba na lente de Lu Botelho. |
Podemos dizer que a música da Paraíba possui um cenário erudito
consolidado. Talvez seja um dos poucos estados do país que ostenta quatro
orquestras sinfônicas. Duas do Governo do Estado, uma Prefeitura da capital e
outra da Universidade Federal da Paraíba. Talvez seja a Paraíba, também, um dos
grandes polos produtores de música erudita contemporânea. As tradições
paraibanas são sólidas. É daqui o Maestro José Siqueira, um compositor cuja obra
é complexa, extensa e diversa. Grandes nomes, grandes estudiosos da
música com reconhecimento internacional, moram aqui. O saudoso Radegundes
Feitosa foi o segundo Doutor em Trombone do mundo. A Paraíba se dá o luxo de
guardar no anonimato maestros de reconhecido talento como o Maestro Amâncio, de
Piancó. Também em Piancó guarda um dos grandes trompetistas que hoje trabalha
como vigilante de uma escola municipal, o Nego Lula. Paremos por aqui. Nominar
alguns é sempre ser injusto com muitos.
Pois a Camerata Parahyba nasceu nesse contexto. Na última sexta-feira
apresentou-se pela primeira vez para o público paraibano. Chegou de forma
absolutamente arrebatadora na capela do Centro Cultural São Francisco, um dos
grandes portais da cultura brasileira. Um público generoso lotava suas
dependências. A acústica secular da capela foi testemunha de um grande
espetáculo. A Camerata trouxe um repertório escolhido a dedo e celebrou uma das
realidades musicais mais complexas do mundo que é a música brasileira. Aliás,
“Brasileiríssimos” foi o nome dado ao concerto inaugural. Um repertório com
peças de José Siqueira, Alberto Nepomuceno, Carlos Gomes, Heitor Villa-Lobos,
Cláudio Santoro, Joselho Rocha e Arthur Barbosa. Um repertório que levou o
público formado por estudantes, admiradores de música erudita e turistas, a aplaudir
de pé. Poucas vezes vemos uma plateia de concerto pedindo bis. A
Camerata Parahyba, entretanto, teve que voltar ao palco para
celebrar e agradecer, executando mais uma vez o Frevo de Arthur Barbosa.
Nessas alturas o leitor ou a leitora deve estar se perguntando como
nasceu este fenômeno. É uma história longa, mas que merece ser resumida. Em
2012, o então governador Ricardo Coutinho teve a ousadia de criar um projeto
nos moldes do famoso El Sistema, da Venezuela e Neojibá, da Bahia. Era gestão
do então secretário de Cultura Chico Cesar que convidou o renomado Maestro Alex
Klein (atualmente na Sinfônica de Chicago) para implantação do projeto. Assim
nasceu o PRIMA – Programa de Inclusão Através da Música e das Artes. Desde
então as experimentações se somam na direção da música de câmara.
Entretanto, em 2018 houve uma aposta na consolidação da linha camerística
enquanto estratégia pedagógica. Nasceram excelentes grupos, como o Quarteto
Tabajara e o Quinteto Anumará, entre outros, formados por professores do
programa e realizando master class para os alunos e concertos em cidades como
Picuí, Pombal, Guarabira e outras. Também grupos de alunos e alunas, como o
Quarteto Hawe e o Quinteto Mangaio mostraram sua melhor e crescente produção.
Todos preparando futuros concertos.
Nada, no entanto, chegou aleatoriamente. A coordenação pedagógica do
PRIMA, sob a batuta do Maestro Rainere Travassos, acompanha tudo. Conforme
escreveu o violonista Luiz Montovani, “à medida que o estudante
desenvolve suas habilidades camerísticas, familiarizando-se com questões
fundamentais como o ataque sincronizado, as entradas, o gestual camerístico, a habilidade
de seguir e liderar, o equilíbrio sonoro aplicado no contexto musical, etc.,
ele se encontrará mais bem preparado para abordar o repertório camerístico em
grupos heterogêneos com instrumentos cujos estudantes tradicionalmente praticam
música de câmara desde o início de sua formação instrumental.” São experiências
testadas e aprovadas, deixando saldos positivos nas práticas diárias de sala de
aula. Em Campina Grande, depois da passagem do Quarteto Tabajara para uma
master class e um concerto, os próprios alunos tomaram a iniciativa
de criar um quarteto de cordas. Assim o PRIMA passou o ano investindo na
criação de referenciais, orientações e estímulos para o seu público. Tudo isso,
fruto de um olhar crítico e construtivo sobre esse conceituado programa e sua
pedagogia. A Camerata nasceu como apogeu de uma linha crítica sobre o
desenvolvimento de um programa social onde a música, pelo menos por enquanto, é
a principal porta aberta ao mundo para o alunado. O PRIMA é atualmente, o maior fornecedor de
alunos e alunas para os cursos superiores de música existentes na Paraíba.
Junto aos demais grupos, a Camerata Parahyba carimba o passaporte para uma
linhagem de excelência ao programa.
Aísley Mirella de Sousa, violinista, ex-aluna e hoje professora do
programa resume um pouco o que é a Camerata. Aísley foi aluna da também
violinista Denise Amorim que, por sua vez, foi aluna do conceituado professor
Yerko Tabilo, professor aposentado da UFPB e ex-integrante do Quinteto da
Paraíba. Os três hoje integram a Camerata. Para Aísley, “estudar música era uma
coisa um pouco inalcançável. Eu só via orquestras tocando em filmes. Não
passava pela minha cabeça tocar numa camerata ou orquestra. O PRIMA me ajudou a
sonhar grande. Eu queria me especializar, ser professora no programa e passar
para outros alunos tudo que aprendi. Queria viajar pra fora e mostrar tudo que
o violino era pra mim. Na camerata estou aprendendo muito sobre as novas
técnicas do instrumento e como a energia que a gente coloca na música interfere
na forma como o público a recebe. Estou aprendendo mais sobre respeito, sobre
trabalho em equipe, sobre ouvir e entender o outro. Assim como eu me espelhava
nos meus professores, acredito que os alunos do PRIMA deverão se espelhar
também na Camerata Parahyba”.
Composta atualmente por Denise Amorim, Yerko Tabilo, Luana Barros e
Aisley Mirella (violino I); Ismael Oliveira, Matheus Leite, Joeilton Nunes e
Rayssa Melo (violino II); Melk Nascimento, Hemerson Praxedes, Helen Lavor,
Elayne Marques (viola); Leonardo Pesquita, Elton Kennedy, Jennifer Souza
(violoncelo) e André Sousa (contrabaixo), a Camerata Parahyba registrou seu
batismo de fogo no dia 13 de dezembro de 2019, já como uma das boas novidades
musicais do ano e apresentando uma boa perspectiva para 2020. Cresce a ideia de
percorrer o Estado num calendário previamente planejado, espalhando pela Paraíba
as possibilidades sonoras da música de camerística, num quase reordenamento da
cena regional. Mas também numa perspectiva de reflexão sobre o ensino da
música. Seja num programa como o PRIMA, ou mesmo nos cursos superiores que são
oferecidos no nosso estado. Portanto, para além da execução musical de
excelência a Camerata Parahyba nasce enquanto ação provocativa dentro de um cenário
em permanente ebulição. Tudo isso, “sem perder a ternura, jamais”!
Nenhum comentário:
Postar um comentário