domingo, 15 de dezembro de 2019

O TEMPO DA CAMERATA PARAHYBA

A Camerata Parahyba na lente de Lu Botelho.
Por Lau Siqueira



Podemos dizer que a música da Paraíba possui um cenário erudito consolidado. Talvez seja um dos poucos estados do país que ostenta quatro orquestras sinfônicas. Duas do Governo do Estado, uma Prefeitura da capital e outra da Universidade Federal da Paraíba. Talvez seja a Paraíba, também, um dos grandes polos produtores de música erudita contemporânea. As tradições paraibanas são sólidas. É daqui o Maestro José Siqueira, um compositor cuja obra é complexa, extensa e diversa.  Grandes nomes, grandes estudiosos da música com reconhecimento internacional, moram aqui. O saudoso Radegundes Feitosa foi o segundo Doutor em Trombone do mundo. A Paraíba se dá o luxo de guardar no anonimato maestros de reconhecido talento como o Maestro Amâncio, de Piancó. Também em Piancó guarda um dos grandes trompetistas que hoje trabalha como vigilante de uma escola municipal, o Nego Lula. Paremos por aqui. Nominar alguns é sempre ser injusto com muitos.

Pois a Camerata Parahyba nasceu nesse contexto. Na última sexta-feira apresentou-se pela primeira vez para o público paraibano. Chegou de forma absolutamente arrebatadora na capela do Centro Cultural São Francisco, um dos grandes portais da cultura brasileira. Um público generoso lotava suas dependências. A acústica secular da capela foi testemunha de um grande espetáculo. A Camerata trouxe um repertório escolhido a dedo e celebrou uma das realidades musicais mais complexas do mundo que é a música brasileira. Aliás, “Brasileiríssimos” foi o nome dado ao concerto inaugural. Um repertório com peças de José Siqueira, Alberto Nepomuceno, Carlos Gomes, Heitor Villa-Lobos, Cláudio Santoro, Joselho Rocha e Arthur Barbosa. Um repertório que levou o público formado por estudantes, admiradores de música erudita e turistas, a aplaudir de pé. Poucas vezes vemos  uma plateia de concerto pedindo bis. A Camerata Parahyba, entretanto,  teve que voltar ao palco para celebrar e agradecer, executando mais uma vez o Frevo de Arthur Barbosa.

Nessas alturas o leitor ou a leitora deve estar se perguntando como nasceu este fenômeno. É uma história longa, mas que merece ser resumida. Em 2012, o então governador Ricardo Coutinho teve a ousadia de criar um projeto nos moldes do famoso El Sistema, da Venezuela e Neojibá, da Bahia. Era gestão do então secretário de Cultura Chico Cesar que convidou o renomado Maestro Alex Klein (atualmente na Sinfônica de Chicago) para implantação do projeto. Assim nasceu o PRIMA – Programa de Inclusão Através da Música e das Artes. Desde então as experimentações se  somam na direção da música de câmara. Entretanto, em 2018 houve uma aposta na consolidação da linha camerística enquanto estratégia pedagógica. Nasceram excelentes grupos, como o Quarteto Tabajara e o Quinteto Anumará, entre outros, formados por professores do programa e realizando master class para os alunos e concertos em cidades como Picuí, Pombal, Guarabira e outras. Também grupos de alunos e alunas, como o Quarteto Hawe e o Quinteto Mangaio mostraram sua melhor e crescente produção. Todos preparando futuros concertos.

Nada, no entanto, chegou aleatoriamente. A coordenação pedagógica do PRIMA, sob a batuta do Maestro Rainere Travassos, acompanha tudo. Conforme escreveu o violonista Luiz Montovani,  “à medida que o estudante desenvolve suas habilidades camerísticas, familiarizando-se com questões fundamentais como o ataque sincronizado, as entradas, o gestual camerístico, a habilidade de seguir e liderar, o equilíbrio sonoro aplicado no contexto musical, etc., ele se encontrará mais bem preparado para abordar o repertório camerístico em grupos heterogêneos com instrumentos cujos estudantes tradicionalmente praticam música de câmara desde o início de sua formação instrumental. São experiências testadas e aprovadas, deixando saldos positivos nas práticas diárias de sala de aula. Em Campina Grande, depois da passagem do Quarteto Tabajara para uma master class e um concerto, os próprios alunos tomaram a  iniciativa de criar um quarteto de cordas. Assim o PRIMA passou o ano investindo na criação de referenciais, orientações e estímulos para o seu público. Tudo isso, fruto de um olhar crítico e construtivo sobre esse conceituado programa e sua pedagogia. A Camerata nasceu como apogeu de uma linha crítica sobre o desenvolvimento de um programa social onde a música, pelo menos por enquanto, é a principal porta aberta ao mundo para o alunado.  O PRIMA é atualmente, o maior fornecedor de alunos e alunas para os cursos superiores de música existentes na Paraíba. Junto aos demais grupos, a Camerata Parahyba carimba o passaporte para uma linhagem de excelência ao programa.
Aísley Mirella de Sousa, violinista, ex-aluna e hoje professora do programa resume um pouco o que é a Camerata. Aísley foi aluna da também violinista Denise Amorim que, por sua vez, foi aluna do conceituado professor Yerko Tabilo, professor aposentado da UFPB e ex-integrante do Quinteto da Paraíba. Os três hoje integram a Camerata. Para Aísley, “estudar música era uma coisa um pouco inalcançável. Eu só via orquestras tocando em filmes. Não passava pela minha cabeça tocar numa camerata ou orquestra. O PRIMA me ajudou a sonhar grande. Eu queria me especializar, ser professora no programa e passar para outros alunos tudo que aprendi. Queria viajar pra fora e mostrar tudo que o violino era pra mim. Na camerata estou aprendendo muito sobre as novas técnicas do instrumento e como a energia que a gente coloca na música interfere na forma como o público a recebe. Estou aprendendo mais sobre respeito, sobre trabalho em equipe, sobre ouvir e entender o outro. Assim como eu me espelhava nos meus professores, acredito que os alunos do PRIMA deverão se espelhar também na Camerata Parahyba”. 


Composta atualmente por Denise Amorim, Yerko Tabilo, Luana Barros e Aisley Mirella (violino I); Ismael Oliveira, Matheus Leite, Joeilton Nunes e Rayssa Melo (violino II); Melk Nascimento, Hemerson Praxedes, Helen Lavor, Elayne Marques (viola); Leonardo Pesquita, Elton Kennedy, Jennifer Souza (violoncelo) e André Sousa (contrabaixo), a Camerata Parahyba registrou seu batismo de fogo no dia 13 de dezembro de 2019, já como uma das boas novidades musicais do ano e apresentando uma boa perspectiva para 2020. Cresce a ideia de percorrer o Estado num calendário previamente planejado, espalhando pela Paraíba as possibilidades sonoras da música de camerística, num quase reordenamento da cena regional. Mas também numa perspectiva de reflexão sobre o ensino da música. Seja num programa como o PRIMA, ou mesmo nos cursos superiores que são oferecidos no nosso estado. Portanto, para além da execução musical de excelência a Camerata Parahyba nasce enquanto ação provocativa dentro de um cenário em permanente ebulição. Tudo isso, “sem perder a ternura, jamais”!

Nenhum comentário:

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...