por Lau Siqueira
O capitalismo se mostra ainda mais cruel quando
descobrimos pessoas talentosas vivendo nas mais precárias condições. São raros
os casos de superação. Por exemplo, o
morador de rua que passou num concurso público da Caixa Econômica Federal, em
Recife. O inverso também é uma verdade escancarada. Na Casa de Acolhida para
pessoas vivendo em situação de rua, em João Pessoa, havia um acolhido com curso
superior. Enfim, não há como esquecer. Um sistema que induz o consumo e não distribui
riquezas só pode produzir uma desigualdade infame e uma desesperadora falta de
perspectivas.
Um dos ambientes que revela esse descompasso é o ambiente da
Cultura Popular. Os grandes mestres são canavieiros, catadores de reciclagem,
criadores de cabra, vendedores de alho no mercado, agricultores, porteiros de
prédios públicos. Claro que isso não é uma regra. Temos também grandes mestres
que tiveram oportunidade e fizeram universidade. Uma minoria insignificante
vive bem, ou razoavelmente bem. Entretanto a maior parte vive na mais absurda
miséria. Esta é, aliás, a realidade de grande parte da população. São
inevitáveis, pois os reflexos nas representações culturais.
Recentemente, estivemos no aniversário de 90 anos da
“rainha do pífano”, Zabé da Loca. Não é difícil perceber que a tão conhecida e
reconhecida artista popular vive em condições precárias. Mesmo recebendo a
pensão simbólica de dois salários mínimos, por ter sido contemplada com a Lei
Canhoto da Paraíba. O que se ouve por lá são comentários que no dia-a-dia o
tratamento dispensado à Zabé não é dos mais dignos. “Quem quiser saber a
realidade que venha aqui no sítio em dia de semana, sem festa. Dia desses,
estive aqui e ela estava sozinha. Tinha só uns grãozinhos de feijão puro na panela
para ela comer”, comentou um amigo violeiro no dia da festa de aniversário de
90 anos de Zabé.
A maioria dos mestres vive situação semelhante ou
até pior. A exclusão começa cedo, na dificuldade do acesso à Educação. A
velhice revela a precariedade dos
sistemas de saúde e assistência. Profissionalmente, com raras exceções, o que
sobra é a exclusão dos espaços da cultura. Escrever sobre isso não muda muita
coisa, é verdade. Mas, esquecer essa realidade haverá de consolidá-la, levando
a vulnerabilidade dos mestres para a linha de invisibilidade criada e
cuidadosamente mantida pelo neoliberalismo cultural. Logicamente que apenas um
processo histórico e revolucionário poderia fazer com que esta realidade do
nosso povo, vivenciada pelos mestres, pudesse ser estudada como elemento de um
passado que, de vera, ainda não passou.
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