domingo, 1 de fevereiro de 2009

Aguaúna - a ancestralidade transgressora

Lau Siqueira
Música do Mundo é um evento que vem sendo realizado em João Pessoa(PB), nos últimos quatro anos. Sempre na última semana de dezembro, na divisa paradisíaca das praias de Tambaú e Cabo Branco. O festival apresenta, basicamente, a diversidade da música instrumental produzida na região. Contando, entretanto, com convidados especialíssimos como, Manassés, Rivotrill, Gilson Peranzeta, Tarancón e outros. Um verdadeiro deleite para a população local e para milhares de turistas, de gosto musical apurado, que invadem a cidade nesta época do ano. Na verdade, uma provocação aos padrões culturais da cidade, inventados por uma ação midiática impulsionada por um mercado de predominância grotesca.

Este ano, exatamente no dia 26, lembrei o poeta Maiakovski em O Poeta Operário: “nós polimos as almas com a lixa do verso.” Foi exatamente no dia 26 que tocou o grupo Aguaúna, composto por cabeças de Sampaulistas e cabeças pessoenses, da Nação Jaguaribe Carne. Lembrei Maiakovski porque senti que a função do Agaúna é polir as almas com a lixa do som. O grupo trabalha com a sonoridade recolhida dos becos, dos ferrolhos, das cítaras, das vozes primitivas escondidas na ancestralidade das ruas. E tudo acontece num cenário estabelecido entre os desertos do mundo, a urbanidade e a sangrada existência humana. Fatores recolhidos dum cotidiano de perversidades percebidas e ternuras devolutas.

A experimentação permanente do grupo vem explorando todos os elementos da atonalidade. Porém, vai muito mais longe, reinventando uma modernidade que, parece, desistiu do futuro. A música de invenção produzida pelo Aguaúna reconduz a transgressão soprada ao mundo em todos os campos das artes. Tudo isso resgatado de uma memória de profanação da história oficial da música e da história real dos povos do mundo. Fiquei observando o público, por um momento. Alguns preferiram deixar a praia. Normal. Afinal a experiência Aguaúna é densa demais e ao mesmo tempo, áspera demais. No entanto, um bom público permaneceu e testemunhou uma provocação poucas vezes vista nesses tempos cibernéticos. Marimbau, Cítara, violão, zabumba, flauta, voz... Tudo compondo uma circunstância sonora aproximada de um dadaísmo reinventado. Uma absoluta vocação transgressora num tempo de modernidade diluída.

O Aguaúna aborda uma estética que passa por releituras de realidades passadas e futuras, jogando-se no abismo da experimentação permanente, da experimentação como forma de perenidade de uma obra que vem sendo construída a partir dos seus elos mais contundentes.

O poeta-multimúsico Pedro Osmar rege esta ciranda estética. Pedro tem chão para fazer o que faz. Ele vem de uma safra que jogou no panelão cultural do Brasil, nomes como Zé Ramalho, Lula Cortes, Elba Ramalho, Lenine, Chico Cesar e muitos outros. No entanto Pedro sempre buscou a contramão, criando o grupo de transgressão musical e discussões filosóficas, Jaguaribe Carne. Isso quando ainda estava estabelecido no tradicional bairro de Jaguaribe, em João Pessoa, na Paraíba velha de guerra.

Assim, foi bem fácil perceber logo que o que parecia ser o clube de frevo Piratas de Jaguaribe ensaiando algo de John Cage era, na verdade, uma junção de experiências musicais, poéticas e plásticas para uma transfusão estética permanente que revela uma necessária permanente inquietação. Aliás, uma postura imprescindível para uma reinvenção desse futuro horroroso que aos olhos da Rede Globo de Televisão, já começou. O Aguaúna se posta e se comporta como os que estabelecem uma disciplina intransigentemente definida na busca de uma nova ordem musical. Uma ordem que passa por Frank Zappa e Hermeto Paschoal, mas também pelo frevo, pelo caboclinhos, pela música indiana, música árabe e pela afro-nordestinidade que pulsa na cultura brasileira.

Ao apresentar nos espaços por onde circula sua proposta radicalmente transgressora, o grupo escancara-se aos palcos do mundo na intensa aventura de desobstruir sua eterna capacidade de reinvenção. Se em João Pessoa estiveram no palco compondo o grupo, Paulo Ró, Soraya Bandeira e Fernando Pintassilgo. Em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre ou Macapá, serão outros rostos, outras mãos, outros instrumentos, outras influências. Sejam elas indígenas ou nórdicas, xamãs ou umbandistas. O grupo apresenta-se numa proposta de permanente mutação. É como se repetissem Hugo Ball, fundador do dadaísmo, dizendo: “Jamais darei boas vindas ao caos.” Assim, repleto de conhecimentos formais, o grupo Aguaúna dá um salto em direção ao desconhecido cada vez que sobe ao palco. Estamos, pois, diante de um pós-tropicalismo revelado em uma cena que se coloca em permanente contraponto ao deleite alienado. Tudo num caldeirão que conjuga tradição e modernidade numa atitude de ancestralidade transgressora.

Em relação ao Música do Mundo, lembro de alguém comentando sobre uma certa pessoa ter dito: “Vocês tocam tanto essas merdas que a gente vai acabar gostando”.

7 comentários:

Eunice Boreal disse...

Par nasi ano


(Leia)
Se a obra do artista não gera questão
(Ceia)
Desconfie de sua missão
(veia)

Anônimo disse...

Interessante a matéria sobre o evento musical. O comentário final me lembra minha própria experiência com o "rap" e o "hip hop". No início realmente não gostava. Mas tanto ouvi para tentar entender qual a graça que viam naquilo que acabei me apaixonando pelos gêneros. Abcs, Ricardo Alfaya

Unknown disse...

ola
passei por aqui para desejar bom fim de semana
beijinhos

Luna disse...

A musica sempre esteve e estara dentro de nós, e cada um o expressa
e sente da sua forma.mas é muito importante na vida dos seres
BJ

Roseli Vaz disse...

Sou paulista e mora e voltei a mora em JP a 2 meses, gostaria de saber quando estarão tocando por aqui de novo, e se existem outros eventos como esse em JP frequentemente.
Gostei muito da sala do seu blog, me senti em casa.

Roseli

Lau Siqueira disse...

Roseli, deixe contato. E visite o Poesia Sim, www.poesia-sim-poesia.blogspot.com
abs

Roseli Vaz disse...

Lau, desculpe-me agora ativei o acesso ao meu perfil, lá tem meu blog que já parei com ele, tinha coisas lindas escritas, depois posso te mandar algum escrito meu, acabei de te mandar um pro seu Poesias e te pedi uma dica, dê uma olhada quando puder. Gosto de como escreve e sente as pessoas, a intensidade das coisas que te acontecem são muito marcantes pra você e pra quem te lê também.
Um ótimo dia!

Roseli
Uma paulista, de coração Cordobês (AR) e meio paraibana.

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