sábado, 26 de setembro de 2009

A poesia como ponto de partida.


Por Lau Siqueira
Nos últimos anos tenho acompanhado razoavelmente o debate acerca da importância da poesia, enquanto gênero literário. Em 2005 recebi uma provocação do Festival Recifense de Literatura. Fui “intimado” pelo poeta Pedro Américo, para falar sobre poesia e mercado. Na época, um período bastante atribulado da minha vida profissional, somente pude dar atenção ao assunto uns cinco dias antes da palestra. Fiquei um tanto atônito porque não existiam referências, praticamente. Encontrei apenas um texto de Geir Campos, de décadas e décadas passadas. Pois não é que em “Carta aos Livreiros”, o poeta relatava exatamente o mesmo drama vivido pelos poetas do século XXI, em relação mercado editorial? Acabei escrevendo um texto para orientar a minha palestra, que acabei publicando na revista Discutindo Literatura e em alguns sites.

Existe aí uma questão que tem me instigado bastante. Apesar de ser um gênero considerado não comercial, os fatos nos mostram que a poesia é um dos gêneros mais lidos. Do ponto de vista do mercado editorial, os poetas desafiam os best Sellers através do tempo. Por exemplo, ninguém lembra quem eram os Best Sellers da época em que Baudelaire circulava pelas ruas de Paris. No entanto, o poeta francês continua vendendo nas livrarias do mundo inteiro. A coleção “Melhores Poemas”, da Global Editora, apresenta índices invejáveis de vendas. Somente o poeta Mário Quintana vendeu bem mais de 100 mil exemplares. Na margem do mercado, os cordelistas da Paraíba, num dos últimos festejos juninos da capital, chegaram a vender 800 exemplares em único final de semana.

A recente pesquisa, já citada por mim no blog Pele Sem Pele algumas vezes, “Retratos da leitura no Brasil”, editada pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, traz dados atualíssimos (de 2007) e impressionantes. A pesquisa foi coordenada por Galeno Amorim, ex-secretário de cultura de Ribeirão Preto-SP e editada também sob sua orientação, com textos de dez especialistas. Entre eles, nomes de conhecidos como Moacir Sclyar. Esta pesquisa aponta a poesia entre os cinco gêneros preferidos dos leitores. Considerando-se entre esses gêneros o romance, os livros didáticos, os livros religiosos e a literatura infantil. Também segundo a pesquisa, seis poetas aparecem entre os 25 autores brasileiros mais lidos no país. Vinícius de Morais é o quinto autor na preferência dos brasileiros, somente para se ter uma idéia de uma lista que traz nomes como Monteiro Lobato (o primeiro de todos), Machado de Assis, Ariano Suassuna, Paulo Coelho, Bispo Edir Macedo, Clarice Lispector, etc. Não contabilizo aí o paraibano Ariano Suassuna como poeta, apesar de escrever poemas e ter na sua obra, segundo ele próprio, uma forte vertente poética.

Em recente entrevista ao programa Letra Lúdica, da TV UFPB, falei sobre o livro Retratos da Pesquisa. No entanto, notei que o editor do programa o poeta paraibano José Antônio Assunção, forçava a barra para que eu falasse mais e mais dos números impactantes da poesia na pesquisa. Então, desenvolvemos muito mais uma boa prosa sobre o tema que sobre os desvendamentos da pesquisa enquanto diagnóstico da leitura no país. Observamos, por exemplo, que o jovem é o grande leitor brasileiro. De um modo geral, observa-se também que há uma empatia da juventude para com a poesia. Basta ver o imenso sucesso editorial do Livro da Tribo entre os jovens brasileiros, publicado anualmente pela Editora da Tribo(SP). Poetas como Paulo Leminski, Alice Ruiz e até mesmo Augusto dos Anjos, aparecem nitidamente na preferência da juventude.

Onde quero chegar?
Se algo podemos comemorar nos últimos anos é exatamente a multiplicação de certa “militância” favorável às políticas de leitura. Militância esta que tem sido encontrada tanto no setor público, quanto em iniciativas particulares. Podemos citar entre estas, a de um catador de papel em São Paulo que montou uma biblioteca com mais de 16 mil títulos, num prédio abandonado. Detalhe: os livros foram todos apanhados em lixos residenciais. O projeto Dulcinéia Catadora, também em São Paulo, trabalha oficinas de artes plásticas, leitura e edição, a partir da poesia, principalmente. São inúmeros os exemplos brasileiros que nos levam a acreditar que a poesia é um dos principais vetores para uma política nacional de incentivo à leitura. Uma ação transformadora que não deveria se limitar ao repasse de verbas, mas fundamentalmente, às possibilidades de articulação intersetorial e transversal, principalmente das áreas de educação e cultura.

Isso significa, logicamente, uma ousada transgressão ao que existe hoje em termos de política educacional. Roland Barthes já dizia que a Literatura contém muitos saberes. No entanto, segundo Afrânio Coutinho no Livro Notas de Teoria Literária, “o ensino da Literatura deve emancipar-se da história e da filologia, campos verdadeiramente distintos (...)”. Ele diz também que, “a Literatura vem sendo ensinada por professores, na maioria de português, de mentalidade predominantemente filológica, a Literatura é tornada um subsídio da língua, confundindo-se análise gramatical com análise literária, análise sintática com análise estilística.” O que estamos propondo é uma inversão nessa lógica para que a Literatura desfrute de um espaço próprio, trabalhando muito mais intensamente o que realmente nos interessa: o prazer da leitura. O caráter estruturante das políticas de leitura, seguramente, elevará os níveis de ensino. Afinal, um bom leitor dificilmente será um mau aluno.

Logicamente que temos aqui uma série de vontades íntimas. A maior delas é nos transformarmos em um continente de leitores. Não tenho a menor dúvida que a poesia cumpre, nesse aspecto, um papel introdutório de toda uma política pública para o Livro e a leitura. A boa poesia seduz o leitor para qualquer gênero literário. É muito mais fácil, por exemplo, um leitor de poesia entender obras como Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, ou mesmo Ponto de Mutação, do Fritjot Capra. Pelo imenso grau de popularização da poesia, não estaríamos inventando a roda, mas fazendo-a andar mais rápido, como se diz por aí. Aliás, não podemos esquecer que a roda já está andando. Por exemplo, devemos reconhecer que há uma geração de professores nos cursos de Letras do país inteiro, trabalhando a literatura contemporânea em sala de aula (não apenas poesia). Ainda que predomine o conservadorismo acadêmico. Recentemente ouvi de um amigo que um professor iria fazer sua tese de doutorado sobre a sua poesia e foi desaconselhado por ser o meu amigo, um poeta desconhecido. Portanto, há muito que se avançar ainda em termos de “mudança de hábito”. Mas, as cartas estão na mesa e, não se enganem os incautos, o jogo já começou.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ponto de Cem Réis – apenas uma opinião.

Por Lau Siqueira

Confesso que não me causam perplexidade alguma as reações acerca da restauração do Ponto de Cem Réis. A maioria, convenhamos, fruto de uma passionalidade tardia, ainda referente ao último pleito eleitoral. Mas, o despeito não merece contraponto. Deixemos de lado. Respeito, no entanto, algumas opiniões questionadoras do ponto de vista estético. Então me ponho a pensar: como seria uma simples e pura restauração daquele espaço nos moldes, digamos, da intervenção dos anos 70? O trânsito na Duque de Caxias seria reaberto?

Fotografias históricas do Ponto de Cem Réis nos anos 30 e as fotos da grande reforma realizada nos anos 70 nos fazem crer que o que está posto para aquele ponto da cidade é exatamente a sua adequação às necessidades dos tempos. Afinal, não está em questão a imensa trasformação que se deu nos anos 70, em relação à origem da Praça Vidal de Negreiros, o popular Ponto de Cem Réis, datada de 1924. E isso não está em questão porque as necessidades urbanísticas da cidade do início do século XX realmente eram outras. Portanto enterramos aí o primeiro mito.

Fotografias antigas nos mostram que nos anos 30 o trânsito dos bondes era determinante quanto as necessidades funcionais do local. Já nos anos 70, eram os automóveis que davam as cartas às intervenções urbanas. Entretanto, em muito pouco tempo houve uma defasagem desse modelo. A prova disso foi o fechamento do viaduto Damásio Franca e a preservação daquele espaço para a circulação de pessoas. Tudo dentro de um ambiente da mais pura degradação, diga-se de passagem. Isso nos faz pensar no óbvio. (E como é imprescindível, tantas vezes, pensar no óbvio!) Logicamente que os saudosistas não reivindicam os bondes e o charme provinciano da velha Parahyba do Norte. Resta, portanto, essa realidade que se arrastou através dos anos no mais puro abandono. Abandono, logicamente, sustentado no silêncio de muitos dos que agora “protestam” contra a preservação transformada do Ponto de Cem Réis, sem levar em conta que nada mais havia do aspecto urbanístico da sua origem, datada de 1924. Sem levar em conta, inclusive, a sua total inadequação para aquela região da cidade no formato que estava posto.

Os novos tempos, todavia, nos fazem pensar uma cidade na sua integralidade. É certo que a memória deve ser preservada. Contudo, poucos ainda lembram e muitos sequer sabem que no lugar da Praça Vidal de Negreiros, popularmente conhecida como Ponto de Cem Réis, exatamente onde hoje existe o Parahyba Pálace, havia a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos que desapareceu na primeira intervenção. O que foi feito nos anos 70, pelo arquiteto Mário Di Láscio mostrou-se, com o tempo, de uma beleza inadequada ao uso do espaço. A alça do viaduto Damásio Franca, por exemplo, ligando a avenida Padre Meira à rua Duque de Caxias, tornou-se rapidamente inútil e seu fechamento foi inevitável. Para que se entenda o que é o Ponto de Cem Réis hoje, precisamos lembrar no que havia se transformado. No entanto, não se poderá pensar em preservação e revitalização do Centro Histórico da terceira cidade mais antiga do Brasil, sem que sejam criadas as condições necessárias para isso. Cabe ao poder público nas suas três esferas, por exemplo, criar os estímulos. À iniciativa privada cabe a visão de futuro, investindo nos locais onde as possibilidades de lucratividade já são evidentes.

Por outro lado, devemos reconhecer que João Pessoa padeceu durante décadas da ausência de espaços adequados para a realização de manifestações e eventos públicos. Cada grande comício era um transtorno. Os grandes shows, por sua vez, não poderiam ser realizados no lugar mais democrático da cidade por absoluta inadequação do espaço. A Festa das Neves degradava-se através dos tempos e causava horror aos habitantes do bairro do Roger, com seus parques monstruosos, seus bêbados mijões, ou mesmo as barracas dos ambulantes em completo desacordo com a arquitetura do belo Centro Histórico. Até mesmo para que a Festa das Neves sobreviva com suas tradições, o novo espaço deve ser celebrado. Um breve deslocamento deverá torná-la menos danosa aos moradores e comerciantes, especialmente da rua Visconde de Pelotas.

A verdade é que a cidade ganhou o seu primeiro espaço livre para a realização de eventos culturais e manifestações populares. Finalmente temos um largo. Um espaço onde a democracia é a principal linguagem. Se está tudo maravilhoso? Logicamente que não. O prédio do INSS continua abandonado e, mais uma vez, invadido por famílias “sem casa”. O Parahyba Pálace, hoje alugado ao Governo do Estado, carece de pintura, pelo menos. A mesma coisa acontece com o Edifício Nações Unidas e outros prédios do entorno que, convenhamos estão mesmo pedindo providências dos seus proprietários. Outra intervenção no calçadão da Duque de Caxias, já foi anunciada pela Prefeitura. Logicamente que a iniciativa privada se sentirá estimulada a investir e em breve o visual da área será outro.

No mais, não me consta que o Sol fosse mais brando em meio ao abandono ao qual estava submetida a Praça Vidal de Negreiros. A bela arquitetura local, apesar de abandonada, foi valorizada com a nova intervenção. A sua revitalização é urgente. No entanto, se trata de uma área que precisará ser retomada pela população, com a convicção de estarmos em 2009 e não mais na década de 30, de frágil lembrança para tantos. Ou mesmo nos anos 70, quando a cidade também era outra.

Para finalizar, a estátua de Livardo Alves não representa outra coisa se não o respeito e, principalmente, a celebração da cultura e do povo paraibano. Livardo, compositor de alguns dos sucessos da música nordestina, era um dos símbolos do parlamento popular em que naturalmente se transformou o Ponto de Cem Réis em todas as suas fases e, certamente, nesta nova etapa da vida pessoense. Sua lembrança, em bronze, eterniza o romantismo de uma região da cidade que soube cumprir seus ciclos. Mas, que transformação radical não causa espantos? Muito especialmente nos espaços urbanos, onde tantas vezes a degradação gera apegos doentios. Na verdade, espaços abertos assustam quem teme a força de um povo que caminha para o futuro. Muita história ainda haverá de ser escrita pelo povo pessoense no novíssimo e belo Ponto de Cem Réis.

Indicação de leitura: Percepção e memória da cidade: o Ponto de Cem Réis (1)Jovanka Baracuhy C. Scocuglia, Carolina Chaves e Juliane Lins - http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp349.asp

sábado, 12 de setembro de 2009

O prazer da leitura e a coragem de mudar o mundo

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Por Lau Siqueira
Não são raras as vezes que me pego pensando no que se deixa de fazer com a pálida alegação da falta de recursos financeiros. Algumas experiências colhidas ao longo da vida me provaram que para algumas das questões mais significativas para um ser humano e para a sociedade, não é preciso recurso algum. O que precisamos é de atitude. O principal recurso é a nossa vontade. Uma das experiências concretas que me faz pensar assim é a existência da Biblioteca Cactus. Uma instituição comunitária criada e mantida por duas mulheres, Nina e Edeusa, em Mandacaru, um dos mais tradicionais bairros populares de João Pessoa. Para montar o acervo, certamente, Nina e Edusa, contaram a com a responsabilidade social do maior sebo da América latina, o Sebo Cultural com sede na cidade. De lá para cá elas vem aumentando o acervo, articulando atividades que mantém viva uma das maiores e mais importantes Bibliotecas Comunitárias do Nordeste. Experiências assim abundam pelo Brasil, sem muita visibilidade, mas esbanjando coragem. Aqui e ali chegam histórias que impressionam e me fazem pensar nos oportunistas de carteirinha que mexem os quadris em suas articulações, atrás das “facilidades” dos recursos públicos para a execução de projetos culturais e educacionais de consistência duvidosa.

Tomei conhecimento de outra experiência que também me impressionou bastante. Um catador de papel, em São Paulo, conseguiu reunir mais de 16 mil títulos catados no lixo residencial da cidade. Ele montou uma biblioteca num prédio abandonado, onde atende milhares de adultos e jovens que, certamente, a partir da leitura vão traçando uma nova perspectiva e um novo horizonte para as suas vidas. Boas experiências abundam pelo país. Aqui em João Pessoa, os projetos Tome Poesia e Tome Prosa, coordenado pelo poeta Antônio Mariano, provoca a leitura de poemas e textos em prosa no bar Noites Cariocas. Já a atriz Suzy Lopes mantém o projeto Café em Verso e Prosa no Empório Café, um dos mais agradáveis bares da praia de Tambaú. Nara Limeira, mestre em literatura e mestre na vida, conduz o projeto Palavra Plantada no agradável Parque Arruda Câmara. Projeto semelhante é mantido pela poeta Idalina de Carvalho, em uma praça de Cataguases-MG. Em São Paulo, Andréa Schmitz mantém o blog “Nosso Clube de Leitura” e um grupo de leitura na região onde vive. Nestes dois primeiros parágrafos fiz questão de citar alguns projetos grandiosos que não dependem de recursos financeiros de qualquer ordem para uma existência de absoluta consistência e coerência. Então me pergunto: o que impede avançarmos ainda mais, sabendo como sabemos que a leitura gera cidadania?

Somos um país com 16 milhões de analfabetos absolutos, ainda. Isso representa 9% da população. Brasileiros e brasileiras de até 15 anos ou mais que não conseguem sequer pegar um transporte público, sem ajuda de terceiros. Não quero ser catastrófico. É inegável que estamos avançando. Mas, tudo precisa ser pensado milimetricamente em termos de políticas públicas para, no mínimo, os próximos 20 anos. Não penso que possamos erigir políticas e comportamentos transformadores, em tempo mais curto. Se não pensarmos e não agirmos agora, nossos netos viverão a barbárie em toda a sua plenitude.

Num olhar mais atento para os percursos da história, observamos que na última década do século XIX, enquanto o Brasil contava com 87% de analfabetos, a França tinha 90% do seu povo devidamente alfabetizado. A Inglaterra, em 1900, possuía 97% da sua população alfabetizada. Introduzo esses dados para que compreendamos melhor os aspectos culturais da leitura em nosso país. A nação que colonizou o Brasil, Portugal, possuía de 20 a 30% de alfabetizados neste mesmo período. Também os países que traçaram as linhas mais densas da imigração brasileira, como Espanha e Itália, contavam com 50% de analfabetos. Na formação desse quadro, lá pelo século XII, “para ser culto era preciso ter fé.” As universidades eram clérigas. O que acabou produzindo os mendigos mais eruditos da história da humanidade. Os que não se adaptavam à “carreira” religiosa e aos caminhos apontados pela Igreja acabavam perambulando pelas ruas. Como o poeta francês François Villon, considerado um dos precursores do romantismo, nascido em 1432 e sumariamente desaparecido em 1463.

O livro retratos da leitura no Brasil, organizado por Galeno Amorim, ex-secretário de cultura de Ribeirão Preto-SP, resulta de uma pesquisa que nos deixa bastante animados em relação ás políticas de leitura no Brasil. Nos últimos anos temos visto um significativo avanço em diversas regiões. Certamente que ainda temos um longo caminho a percorrer. Precisamos estrutura os avanços em dois dos principais pilares das políticas sociais: educação e cultura. O professor Galeno empreendeu uma experiência referencial em Ribeirão Preto, criando um sistema de bibliotecas públicas. Aqui em João Pessoa, o ano de 2010 vai ser marcado pela inauguração da sua primeira biblioteca pública municipal. Um feito extraordinário para uma cidade de 424 anos de existência. Antes arte do que tarde, já dizia Pedro Osmar.

A pesquisa coordenada pelo professor Galeno nos revela alguns dados animadores e outros assustadores. Por exemplo, é animador o fato de ser Monteiro Lobato o autor mais lido pelos brasileiros. No entanto nos preocupa ser Paulo Coelho o segundo colocado. Isso revela que a leitura, no Brasil, é considerada como geradora de um tipo de status. Geralmente as pessoas procuram os títulos mais vendidos e não os melhores livros. Também é animadora a presença de seis poetas entre os 25 autores mais lidos. Mas, entristece sabermos que o Bispo Edir Macedo é mais lido que Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e Clarice Lispector. É certo que estamos num bom caminho. No entanto surpreende-nos negativamente o fato de ainda contarmos com tantas vacilações em relação às políticas públicas para o livro e para a leitura. Ainda não se reconhece a importância estratégica dessa importante fonte de conhecimento que, na verdade, serve como suporte para qualquer política pública. A leitura possui importância estratégica para as políticas de desenvolvimento sustentável, por gerar uma melhor compreensão da realidade. Por gerar cidadania. As tentativas na área algumas vezes são confundidas até mesmo por “certa qualidade de escritores”, como a possibilidade de editar livros sem acesso ao mercado editorial. O que é lamentável sob todos os pontos de vista. Porque, em geral, se trata de autores que não valem uma publicação. O que deve ficar claro é que as políticas de leitura devem ser voltadas ao leitor e não ao escritor.

Repetindo aqui Roland Barthes, “a literatura possui muitos saberes”. Logicamente que os códigos da leitura não se referem apenas à literatura. Muito menos da boa literatura ou, ainda, aos livros apenas. Não nos referimos aqui aos suportes em um artigo que será publicado virtualmente, em um blog. A realidade é que o livro mais lido no Brasil continua sendo a Bíblia. Ainda bem! Se trata de uma obra de importância inquestionável até mesmo para os “ateus-espiritualistas”, como eu. Sua linguagem carregada de simbolismos é referencial, não tenhamos dúvida, enquanto caminho para uma leitura de qualidade. O que nos surpreende positivamente, também na pesquisa aqui mencionada, é o fato de algumas regiões apresentarem um índice de interesse pela poesia, superior ao interesse pelas leituras religiosas. Isso serve como alerta aos educadores. É fato que a Poesia é porta de entrada para o leitor lúdico e crítico. Não é de graça que se trata de um gênero que conta com a preferência da juventude.

Claro que enquanto temos pessoas empenhadas e, de certa forma, introduzindo o interesse pela leitura enquanto política pública estruturante - até mesmo de uma nova ordem econômica - temos professores como um rapaz chamado Túlio, aqui em João Pessoa. Um “educador” que se notabilizou tristemente por chamar Clarice de Chatice Lispector, no espaço sagrado de uma sala de aula. Isso em uma das mais caras e conhecidas escolas particulares de João Pessoa. Ou mesmo estudantes de Letras que “odeiam” literatura, sustentando esta estupidez, inclusive, em comunidades na rede de relacionamentos, Orkut. Isso nos mostra o quanto é revolucionário defender com veemência o contraponto, nas universidades, nas escolas, nas associações de bairro, nas ONGs, nas ruas...

Está mais do que na hora da Escola Pública (também a escola privada, por que não?) assumir definitivamente o seu papel neste doce e transformador empreendimento. É preciso que se desenvolvam cada vez mais as práticas pedagógicas promotoras da leitura enquanto prazer e não enquanto obrigação de ofício. O papel da escola é fundamental nesse aspecto. Programar políticas de leitura é o que de mais pedagógico pode ser empreendido pelas gestões públicas comprometidas com a formação cidadã das comunidades. Um homem e uma mulher de boa leitura, certamente saberão os melhores caminhos para, tenham certeza, salvar o mundo de uma catástrofe social, econômica, bélica e, sobretudo, humana nas próximas décadas. Para isso não podemos depender dos governos. Estando ou não dentro deles. Como dizia Vandré, “quem sabe faz a hora”.

Nota 1 – A maioria dos dados aqui apresentados foram extraídos do livro Retratos da leitura no Brasil, publicado pelo Instituto Pró-Livro em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, sob a coordenação de Galeno Amorim, diretor do Observatório do Livro e da Leitura, primeiro coordenador do Plano Nacional do Livro e da Leitura entre outras coisas (o currículum do homem é enorme).

Nota 2 – Registro aqui a minha solidariedade ao poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto que teve trechos inteiros do seu livro, Longe daqui aqui mesmo, resultado da su tese de doutorado sobre Mário Quintana, usurpados por uma professora da Universidade de Caxias do Sul. Citar a fonte das nossas pesquisas corretamente é uma questão de honestidade intelectual.

sábado, 5 de setembro de 2009

A antropofagia do próprio texto – voltando ao tema

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por Lau Siqueira



O contraponto é sempre o melhor sumo do diálogo, no jogo asseado das idéias. Já escrevi para revistas de circulação nacional, sites, jornais e blogs. Aqui e ali lia alguém comentando a respeito. Na verdade, concordar ou não com algo escrito por outra pessoa pode ser considerado normal. Sempre considerei isso como alimento das minhas idéias. O que, convenhamos, não é muito normal é quando o autor do próprio texto acaba não concordando com o que escreveu e publicou. Não é esse exatamente o caso, mas pensei nisso quando recebi e-mail do escritor e professor Ítalo Moroconi acerca de um texto que divulguei no meu blog Pele Sem Pele e distribuí para alguns e-mails da minha lista de endereços eletrônicos, recentemente. Na oportunidade me referi a professores que não apenas desconheciam, mas abominavam a literatura contemporânea.

Na verdade não era exatamente isso que o texto abordava. Esse elemento foi pinçado pelo escritor que contestou, afirmando que no Rio e São Paulo existem muitos professores atentos à produção contemporânea. Não duvido. Eu sei disso. Na verdade, este não é um privilégio do Rio e São Paulo que, convenhamos, nunca foi e agora mais do que nunca não é mais o centro nevrálgico do pensamento brasileiro. Existem professores em Minas (e eu citei Anelito de Oliveira), aqui na Paraíba (citei Amador ribeiro Neto), no interior de São Paulo, no Pará e em muitos outros lugares, atentos à produção contemporânea. Infelizmente, também, existem aqueles que simplesmente abominam qualquer movimento em direção à literatura contemporânea. Este é um fato inquestionável. Entrementes, não era este o foco do artigo. A menos que eu tenha perdido meu próprio foco.

Eu abordava a produção contemporânea a partir da internet e seus veículos. Não citei, mas, por exemplo, muito me impressionou um poema de Luciana Marinho no meu Orkut. Por falar nisso, Luciana é professora do curso de Letras da Universo, em Recife. Uma universidade particular onde a literatura contemporânea também não é ignorada. Estarmos vivenciando uma relação midiática cujas reações são imediatas e o peso que isso tem na própria produção literária. Foi exatamente isto que aguçou meu pensamento. Para citar mais um exemplo, recentemente escrevi o prefácio do livro “Solacio”, da poeta Valéria Tarelho, de São José dos Campos-SP. O livro vai sair em edição nacional, pela editora Landy, dentro da coleção Alguidar, organizada pelo poeta Frederico Barbosa.

Minha reflexão partia de conversas com amigos na própria internet. Valéria, por exemplo, escreve poemas há sete anos apenas. É uma leitora voraz dos clássicos, uma pessoa culta, mas também é leitora da produção que circula na internet. Até mesmo a produção inédita como a sua. Será que isso não teve e não tem influência alguma na sua poesia? Duvido muito. Para os poetas que freqüentam o Orkut e o twitter, por exemplo, estes são também excelentes instrumentos para a veiculação de boa poesia e idéias sobre poesia. No meu Orkut, por exemplo, afloram textos de Helberto Helder, Nuno Júdice, Hopkins, João Cabral e outros poetas. Presentes deixados por amigos e amigas, cuja sensibilidade não foi suprimida pela tecnologia. São meus amigos de Orkut, nomes representativos da poesia brasileira contemporânea, como Ricardo Silvestrin, Ronald Augusto, Cláudio Daniel, Frederico Barbosa, Antônio Mariano, Lucila Nogueira, a própria Valéria Tarelho e outros bons poetas da rede e da cama de palhas da realidade. Este artigo, bem como o anterior, tem como veículo o blog Pele Sem Pele e algumas colunas que possuo em sites, como El Theatro (http://www.eltheatro.com/).

Na verdade, creio que precisamos estar atentos ao que está em movimento. A internet, com certeza, revolucionou os métodos de divulgação da literatura contemporânea. E sem desconstruir o que os cordelistas já faziam há cem anos ou mais. Até mesmo as grandes editoras e as grandes redes de livrarias usam a web para a afirmação dos seus negócios e para a ampliação da sua lucratividade. Mas, não era exatamente a isto que eu me referia. Logicamente, sem a pretensão de esgotar o assunto num artigo de duas laudas e meia, no máximo três, um assunto de tamanha densidade e relevãncia, eu abordava a repercussão desse processo na própria linguagem poética do século XXI. Este é o fato central do meu raciocínio que, posso concordar, talvez não estivesse muito bem colocado. É certo que abomino a ignorância como método de estudo. O fato de alguém estudar Camões, por exemplo, não o impede de conhecer e admirar, por exemplo, as vanguardas que despontavam em regiões fora do eixo. Cito aqui a importância quase desconhecida do Rio Grande do Norte para a poesia de vanguarda brasileira, nos anos 60, 70 e mesmo nos dias de hoje.

Penso que a evolução da linguagem poética deve-se, muito especialmente, à capacidade de atenção dos pensadores desta produção aos menores movimentos da língua e seus afluentes na cadeia produtiva do conhecimento. Recentemente li uma reportagem sobre a influência do chamado “internetês” no ensino da língua portuguesa. Ou será que alguma espécie de germe erudito impede os professores de língua portuguesa do ensino fundamental, principalmente, de avaliar o fato de seus alunos passarem boa parte do dia no MSN, escrevendo coisas como vc tc de onde? (você tecla de onde?). É certo que as pesquisas ainda apontam opiniões desfavoráveis ao enriquecimento da língua com fatos desta natureza. No entanto, sinto uma vontade enorme de questionar as pesquisas (78% é o índice desfavorável) se não houver uma capitulação ao internetês. O que seria mais prejudicial ao estudo da língua portuguesa? O internetês ou a supressão do estudo do Latim nas escolas brasileiras?

Logicamente que outras oportunidades deverão me remeter ao tema que, cá pra nós, muito me agrada pela sua capacidade de convulsionar o pensamento. Quando se trata de pesquisa da linguagem poética (ou de qualquer linguagem artística), não se pode suprimir absolutamente nada. Mesmo as questões ditas abomináveis. Neste tempo de velocidades no qual estamos mergulhados, muito especialmente as certezas são questionáveis. As verdades absolutas são atestados de incompetência teórica. Idéias calcadas em preconceito de qualquer espécie, penso eu, não combinam com o distanciamento histórico (e não estético) das idéias de Aristóteles, Longino e Horácio. Estamos praticamente concluindo a primeira década do século XXI. Posso estar enganado, mas tenho visto ainda uma preocupação despreocupada das universidades com o pensamento contemporâneo. Ou pelo menos, penso que a universidade continua com a velha mania de produzir para seus próprios ambientes. Não sei se isso é bom ou ruim, mas a produção do pensamento contemporâneo já não possui tanto assim o campus como limite geográfico da produção intelectual.

Antes que me submetam a uma pregação metodológica, este texto - tanto quanto o anterior -não tem pretensões ensaísticas. Apenas levanto uma lebre sem pele sobre as agonias que perpassam um mundo que vive hoje outros dramas, outras inquisições. Uma delas é a abolição do pensamento enquanto vetor principal para o trem da história.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

As teias geométricas de Dênis Cavalcanti

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Lau Siqueira


Toda obra de arte traduz seu próprio tempo. No entanto não há, para a obra de arte, um tempo linear. Como diz o poeta Manuel de Barros no Livro das Ignorãnças, “Não sei mais calcular a cor das horas. As coisas me ampliaram para menos”. Assim, numa primeira leitura da obra do artista plástico paraibano Denis Cavalcanti já se revela a atitude racional, precisa, rigorosamente futurista, vocacionada às imensidões do acaso. O artista constrói uma equação devotada ao mergulho num rio de mutações cores e formas. Na imprevisibilidade de um salto seguro que se traduz na ambivalência e nas especificidades do fator humano.

O artista convulsiona e ambienta suas influências de modo a construir a singularidade de uma linguagem capaz de amparar a permanência do abstrato. Todavia, espelha-se na concretude de uma era de velocidades, onde a arte que se cumpre vai também compactuando com a mais densa sensibilidade. Mas, que outra função teria a arte que não a de aflorar as imensidões e cometer as incertezas que permitem o ato inventivo? A perenidade, portanto, risca seus mapas na íris de cada leitura, de cada olhar com suficiente alcance para os desenredos da imaginação. E assim Denis Cavalcanti vai tecendo suas evocações ao silêncio. Entrementes, o que se revela é a plenitude de um grito. Na verdade uma obra que nos traz ao mesmo tempo o posto e o seu oposto.

Estamos diante de um artista cujas metáforas construídas nos remetem às emoções mais densas e ao mesmo tempo às premissas de uma ausência absoluta. Um vácuo onde a permissividade libertária une o veio criador aos relatos de uma reengenharia do tempo. Um lugar onde apenas o desconhecido é linear. Denis desobstrui as insígnias do que poderia enquadrá-lo, por exemplo, num neoplasticismo. Ele respira um hábito criador que se estende do clássico aos infinitos conduzidos pela experimentação permanente. Coisa que se reconhece no hálito de toda boa arte de vanguarda, num tempo que o próprio tempo determina.

Texto de apresentação do livro e site do artista plástico paraibano Dênis Cavalcanti.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...