quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Seu Pereira e Coletivo 401


Por Lau Siqueira


A Paraíba vive uma conjuntura cultural interessante. Temos produções poderosas em todas as linguagens. Alguns espetáculos paraibanos brilhariam em qualquer palco do mundo. Basta citar o Grupo Ser Tão Teatro e a Paralelo Cia. De Dança. Na música não é diferente. O fenômeno Lucy Alves não surpreende. São inúmeros artistas em todas as áreas mostrando que a história da Paraíba não escapa a uma boa prosa, uma mesa de glosa... Ou mesmo poesia, do haicai ao repente. A verdade é que alguns artistas paraibanos estão na alça de mira da cadeia produtiva da cultura brasileira.

“Seu Pereira e Coletivo 401” é um bom exemplo. A banda têm ocupado espaços importantes na vida cultural da Paraíba.  Já acumulou bagagem suficiente para romper fronteiras e se espalhar por aí. Composições cuidadosas, melodias bem trabalhadas, arranjos bem elaborados e muito carisma. Este é o carimbo dos caras. Eles conseguem convergir dentro da diversidade das linguagens musicais. Escancaram a mais densa das baladas na pulsação das batidas mais pesadas. Do afro ao rock, sem retoques. A verdade é que encontraram a fórmula de um trabalho que por diversas qualidades vem conquistando um público cada vez mais fiel. ‘Seu Pereira’ aprendeu a ocupar espaços de diversas formas no cotidiano da cidade. Por exemplo, em batidas do coco-de-roda ou embolada. Uma ‘mistureba’ saudável com resultado da melhor qualidade. Seu Pereira e Coletivo 401 é biscoito fino da Paraíba para a cultura brasileira. Como é Mariana Aydar,  Tulipa Ruiz, Criolo, Lenine, Chico Cesar, Nei Lisboa e tantos e tantas.

O compositor e cantor, Jonathas Falcão mostra a força da sua poesia carregando as melodias com a sabedoria de uma formiga que carrega uma folha no vento. Cirandando em cada passo, desnudando caminhos onde as dores e os prazeres humanos estão vestidos de poesia e música.  Isso faz a cabeça de muita gente. O poeta canta em linha direta com as cordas vibrantes da imaginação. Vai conjugando palavra e melodia com tamanha harmonia que na primeira audição a sedução é certeira. Ninguém passa impune pelas belas composições de Seu Pereira e Coletivo 401. Um grupo que vai traçando caminhos seguros dentro da música brasileira. O disco é impecável. O show é muito profissional. Os músicos são da melhor safra e Falcão solta a voz, cumprindo o seu destino de pássaro. Claro que ninguém pode prenunciar nada. Mas, sinto que estão prontos. Prontos, mas em permanente ebulição. Cientes do contexto especial que vivem  numa região que já deu contribuições fantásticas à cultura do nosso País. Não esperam por nada nem por ninguém. Eles sabem muito bem “que a vida não se resume em festivais”, como disse Vandré.

 
Publicado no Jornal A União, 21.01.2014.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A agonia cotidiana dos mestres.



por Lau Siqueira

O capitalismo se mostra ainda mais cruel quando descobrimos pessoas talentosas vivendo nas mais precárias condições. São raros os casos de superação.  Por exemplo, o morador de rua que passou num concurso público da Caixa Econômica Federal, em Recife. O inverso também é uma verdade escancarada. Na Casa de Acolhida para pessoas vivendo em situação de rua, em João Pessoa, havia um acolhido com curso superior. Enfim, não há como esquecer. Um sistema que induz o consumo e não distribui riquezas só pode produzir uma desigualdade infame e uma desesperadora falta de perspectivas.

Um dos ambientes que  revela esse descompasso é o ambiente da Cultura Popular. Os grandes mestres são canavieiros, catadores de reciclagem, criadores de cabra, vendedores de alho no mercado, agricultores, porteiros de prédios públicos. Claro que isso não é uma regra. Temos também grandes mestres que tiveram oportunidade e fizeram universidade. Uma minoria insignificante vive bem, ou razoavelmente bem. Entretanto a maior parte vive na mais absurda miséria. Esta é, aliás, a realidade de grande parte da população. São inevitáveis, pois os reflexos nas representações culturais.

Recentemente, estivemos no aniversário de 90 anos da “rainha do pífano”, Zabé da Loca. Não é difícil perceber que a tão conhecida e reconhecida artista popular vive em condições precárias. Mesmo recebendo a pensão simbólica de dois salários mínimos, por ter sido contemplada com a Lei Canhoto da Paraíba. O que se ouve por lá são comentários que no dia-a-dia o tratamento dispensado à Zabé não é dos mais dignos. “Quem quiser saber a realidade que venha aqui no sítio em dia de semana, sem festa. Dia desses, estive aqui e ela estava sozinha. Tinha só uns grãozinhos de feijão puro na panela para ela comer”, comentou um amigo violeiro no dia da festa de aniversário de 90 anos de Zabé. 

A maioria dos mestres vive situação semelhante ou até pior. A exclusão começa cedo, na dificuldade do acesso à Educação. A velhice  revela a precariedade dos sistemas de saúde e assistência. Profissionalmente, com raras exceções, o que sobra é a exclusão dos espaços da cultura. Escrever sobre isso não muda muita coisa, é verdade. Mas, esquecer essa realidade haverá de consolidá-la, levando a vulnerabilidade dos mestres para a linha de invisibilidade criada e cuidadosamente mantida pelo neoliberalismo cultural. Logicamente que apenas um processo histórico e revolucionário poderia fazer com que esta realidade do nosso povo, vivenciada pelos mestres, pudesse ser estudada como elemento de um passado que, de vera, ainda não passou.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Música da Paraíba para o mundo


por Lau Siqueira

Nada acontece por acaso. No caso dos movimentos artísticos o melhor caminho é a provocação. É assim que funciona. Quer um bom exemplo? O CD Music From Paraíba. Inicialmente o objetivo seria lançar a música paraibana para produtores internacionais na WOMEC, a maior feira de música do mundo realizada no País de Gales. Isso já seria uma grande provocação. O CD  é uma produção da Fundação Espaço Cultural da Paraíba, com a curadoria de Arthur Pessoa e Toninho Borbo. Todavia, o disco antecipou-se ao The Voice Brasil, da Rede Globo. No CD temos a voz de Lucy Alves cantando com o Clã Brasil. Antes da sua merecida explosão midiática. Aliás, o disco é uma mostra bem abrangente e atualizada da música paraibana. Mesmo com a ausência de nomes respeitáveis como Adeildo Vieira, Escurinho e Totonho, por exemplo.


No lançamento do CD realizado em João Pessoa no final do ano passado,  o que se viu foi a presença firme de um público vibrante e antenado. Certamente um público formador de opinião. E olhem que estamos falando apenas da música na terra de tantas e tão imensas expressões. O fato é que o disco Music From Paraíba agregou valor. A proposta já começa a traçar caminhos para a formação de um movimento musical paraibano. A presença de artistas como Beto Brito, Socorro Lira, Nectar do Groove, Sonora Sambagroove, Sandra Belê, Seu Pereira e Coletivo 401 e outros da mesma cepa (são vinte) revela que, esteticamente, a nossa música vai muito bem obrigado. Tem produzido coisas belíssimas. Tem se renovado permanentemente. Muitos dos grupos estão prontos para suprir a sede cultural do povo brasileiro com a parte que lhes cabe no latifúndio concentrado  do mercado da música, onde o jabá é o instrumento da mediocridade.

Você tem dúvidas sobre o que está dito aqui? Então compareça ao Atelier Nai Gomes (na Ladeira da Borborema) no próximo domingo, no final da tarde. Lá estarão Beto Preah e a força da música instrumental, Os Gonzagas e a sala-de-reboco da música mais original do país, o forró. Para completar o quadro, o DJ Cassicobra. Numa época em que a cidade de João Pessoa aprendeu a conviver com shows para grandes multidões, a cena contemporânea da Paraíba vai garantindo seu espaço para um público seleto e fiel que saberá repercutir cada show, porque sabe que mesmo sem competir com as grandes estruturas midiáticas, a defesa de expressões tão belas e tão próximas é um caminho seguro no terreno pantanoso da cultura. Não vamos reduzir a política cultural às parafernálias luxuosas e aos cachês milionários. Estejamos atentos ao que acontece aqui na Paraíba. Vamos descobrir a arte paraibana em toda a sua diversidade, antes que a Rede Globo o faça.

Publicado no Jornal A União de hoje, 10.01.14

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...