quinta-feira, 17 de março de 2011

O carnaval das letras.

Núcleo Blecaute realiza pelo segundo ano consecutivo um significativo encontro literário

por Lau Siqueira
A palavra colombina e a palavra pierrot acumularam singularidades em suas fantasias para as cinzas deste carnaval 2011. A cidade de Campina Grande, nacionalmente conhecida por realizar o Encontro Para a Nova Consciência no período momesco misturou aos debates esotéricos, às manifestações religiosas e às cultuações do xamanismo, um ousado empreendimento de jovens literatos da Rainha da Borborema. Foi a perseverança e a credibilidade do Núcleo Blecaute de Literatura que possibilitou pelo segundo ano consecutivo um evento que remete ao futuro discussões sobre a literatura feita na terra de Augusto dos Anjos e José Lins do Rego. Idéias e conceitos estéticos, políticas públicas para o livro e para a leitura, articulação entre eventos literários paraibanos, novas tendências da literatura paraibana... Debates qualificados e oportunos que impulsionam a literatura paraibana para o mundo.

O “II Encontro de Literatura Contemporânea – Entre escritores e editores, a trajetória dos livros” coloca definitivamente a maior cidade do interior da Paraíba na rota dos diálogos da literatura contemporânea brasileira. Uma rota que começa a se solidificar no Estado com a abertura de novos caminhos, com o envolvimento de novos atores de uma cena que já desperta a atenção do Brasil. O Encontro de Campina Grande não nasceu isoladamente. Nasceu e cresce dentro de um contexto que absorve uma interação absoluta com o que está sendo fruto do empreendedorismo e da ação militante de escritores, “novos e usados”. Em Campina Grande pudemos conferir uma importante articulação estadual a partir de representações nos debates e nas platéias, de escritores e agentes literários de Boqueirão, Nova Palmeira (terra de Zila Mamede), João Pessoa, Sousa e outras cidades do Estado - e até de fora. Sobretudo uma nova mentalidade acompanha os novos escritores e produtores da Paraíba. Além da maturidade no manejo com a linguagem destaco a coragem de abandonar o tradicional e corrosivo culto aos desolados umbigos. Começamos a perceber a tendência para uma ação mais coletiva e mais efetiva que propõe, que empreende e que sustenta debates que vão da produção literária e editorial, passando pelo mercado do livro, pelas políticas públicas para a literatura, chegando às práticas cotidianas de projetos de incentivo à leitura como o projeto Biblioteca Livro em Rodas. Ou seja: os eventos partem do princício de valorização do nascedouro e da finalidade da cadeia produtiva do livro, valorizando sobremaneira autor e leitor.

Com uma programação bastante diversificada e solidamente construída, discutindo desde a psicologia de um escritor, com palestra agradabilíssima do escritor, psicanalista e professor da UFPB, Ronaldo Monte ao desafio de trazer para a cena um aspecto ainda não de um todo resolvido na literatura: a questão de gênero e a identidade estética do discurso feminino, com os acúmulos e o talento da escritora, tradutora e professora da UEPB, Vitória Lima. Aliás, este é um dos debates que certamente renderá investigações para além do II Encontro, uma vez que é por demais conhecida a exclusão da mulher na história da literatura. Um dos aspectos a ressaltar neste sentido é o fato de contarmos ainda com uma presença tímida das mulheres no mundo das letras, mesmo aqui na terra da ousada e modernista Anayde Beiriz, a nossa Pagu. Avanços significativos estão apontados no evento, por certo, se pensarmos que ainda no final do século XIX algumas mulheres escreviam com pseudônimo masculino para que pudessem ser aceitas no contexto da época. E se pensarmos o século XIX dentro da história da literatura, estaremos simbolicamente falando da “semana passada”.

Um dos pontos centrais do evento foi a proposta de articulação que vem sendo empreendida por grupos de escritores, seja do núcleo Blecaute que produz uma revista que já nasceu no melhor padrão do jornalismo literário brasileiro, seja do grupo Caixa Baixa que apesar da curta existência já desponta com um diferencial enorme ao ter nascido propondo o necessário debate acerca do contexto atual da literatura paraibana e brasileira. Algo que espeta em saudável provocação a tentativa de acomodação de determinadas situações, consagrando paralisias e estimulando uma falsa idéia de fim da história.

O evento nos mostrou que existe uma efervescência e uma inquietação que consideramos de suma importância para a consolidação do Estado da Paraiba no cenário nacional da literatura. Estamos vivendo o que podemos chamar de “pré-plenitude” da era das redes sociais e da literatura eletrônica. Ao mesmo tempo temos a configuração de um processo que trouxe para o centro do debate nomes importantes como o professor da UFPB e ficcionista Rinaldo Fernandes, com amplo prestígio nacional e com plena disposição para resgatar a idéia de circulação de escritores nordestinos como forma de fomentar, dentro do mercado do livro, a renovada tradição literária de estados como Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco e outros que sempre se mostraram celeiro da literatura brasileira nos poucos séculos de história que possui a nossa melhor tradição.

Em dois dias de atividades e densa programação, com excelente participação de público e com temas bem posicionados dentro do debate nacional, o Núcleo Blecaute de Literatura, formado pelos escritores Bruno Gaudêncio, Jã Macedo e João Matias de Oliveira, editores da revista Blecaute (http://sites.uepb.edu.br/revistablecaute/), contou com o fundamental apoio institucional da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e da ONG Nova Consciência. Assim firmou-se definitivamente na terra que gerou movimentos importantes como o da Revista Garatuja e numa tradição que repercute no cotidiano das feiras, por onde ainda se escuta a cantoria dos poetas populares e se encontra folhetos de cordel que incentivaram o hábito da leitura para uma infinidade de nordestinos.

O evento proporcionou, muito especialmente, as trocas necessárias para uma boa política pública para a literatura em nosso estado. Por exemplo, as experiências administrativas no Memorial Augusto dos Anjos (debate apresentado e conduzido pelo poeta Jairo Cezar), nos ensinaram a acreditar que diante das dificuldades somente a invenção e a perseverança nos permitem seguir em frente. O fato animador de toda esta movimentação é que criou-se, naturalmente, um núcleo de criadores e produtores de eventos literários na Paraíba, partir do interior do Estado, unindo-se e estimulando a produção da capital, até então, com maior visibilidade dentro dos meios literários brasileiros. Estamos, pois, melhor cacifados para solidificar no estado a presença de eventos importantes como o Salão internacional do Livro que em outubro realizará sua segunda edição. Estamos preparados para dialogar com o Brasil de igual para igual com os mais destacados segmentos da literatura. Estamos caminhando para consolidar um processo formativo para o povo paraibano e que influirá positivamente na geração de trabalho e renda, fomentando a economia, no debate sobre a educação e a cultura que irá nos distanciar cada vez mais de uma mediocridade que vai ficando relegada, felizmente, ao lixo da história.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...