domingo, 25 de outubro de 2009

O lirismo futurista na música de Flávia Muniz



Por Lau Siqueira

Impressiona sempre a capacidade de renovação da Música Popular Brasileira. Do universo pop às tradições da Bossa, do Metal ao Baião. Isso quando o olhar se torna mais amplo sobre conceitos de MPB. Não poderia ser diferente uma vez que as novas gerações, desde o Tropicalismo, permanecem cruzando a ponte da tradição aos chamados tempos modernos. Existem artistas que, historicamente, guardam singularidades que nos fazem tecer um olhar mais atento às suas obras e trajetórias. Flávia Muniz é uma dessas artistas. Leva ao palco as palavras mais exatas para o contexto de uma música que evoca, de certa forma, o que brotou no Lira Paulistana e outros palcos vanguardistas. Até mesmo no Tropicalismo, com um acentuado olhar sobre a figura do poeta Torquato Neto. Logicamente, o que vivemos agora é exatamente a configuração de todas essas teias em outro contexto histórico da MPB. Penso que Flávia expressa bem essas transcendências.

Podemos, num primeiro momento, concluir que a palavra é o fator de determinação na música de Flávia Muniz. É exatamente a palavra e os rigores da poesia que determinam a musicalidade de uma artista inquieta, insubmissa frente ao que está esteticamente posto. Estamos diante de uma criadora absolutamente atenta às perspectivas da música mundial que respira fora das engrenagens sufocantes da cultura de massas. Assim, dentro da cena musical brasileira deste início de milênio, Flávia Muniz experimenta o transbordamento através da vertigem de beber em todas as fontes, parindo um som que não guarda segredos de si, pois fornece, integralmente, os mesmos elementos de sedução em cada nota, em cada palavra cantada. Ouvi-la instiga profundamente toda mente afeita aos manjares estéticos de qualquer espécie ou estilo.

Para quem ainda não sabe, Flávia não é estreante. Ela vem de um contexto. Tive a oportunidade de conhecê-la como vocalista da ótima banda carioca, Luisa Mandou Um Beijo. Cujo trabalho, aliás, guarda o respeito de músicos e pensadores bastante expressivos, da MPB. Bons músicos. Bom repertório. Letras instigantes. Na verdade a banda é uma provocação à vanguarda. É como se algo fosse brotar exatamente duma transversalidade provocativa entre o clichê e a experimentação. Entrementes é inegável, também, que Flávia Muniz começa a destacar-se enquanto criadora, na cena musical do Rio de Janeiro e do Brasil. Principalmente por uma inegável personalidade artística que a conduz a um tipo de composição musical que não se rende aos apelos fáceis e, ao mesmo tempo, fecha as portas ao hermetismo estéril. Ela é construtora de um estilo que bebe nas melhores fontes da canção popular brasileira, sem negar a embriaguês necessária das vanguardas, sem abrir mão da possibilidade de construção de um lirismo absoluto e íntimo. Flávia parte de uma construção absolutamente pessoal para empreender uma leitura musical aberta às melhores influências do planeta. Ela habita uma certa plenitude quanto ao conceito de Obra Aberta, de Umberto Eco.

Leitora atenta, dos livros e do mundo, Flávia representa divinamente, em suas composições, o elo entre o poema e a música. Algo que se completa com uma performance de palco que, sem pirotecnias cênicas, guarda um grau elevado de elaboração. Uma elaboração que vem do instinto da artista, logicamente, mas também da sua formação acadêmica na área da Música Popular Brasileira. Ou seja: a artista construiu uma identidade tal que é praticamente impossível que seu trabalho solo não alcance, também, o respeito que Luisa Mandou um Beijo ganhou e, talvez, até mesmo ampliando espaços na visibilidade musical brasileira. A tecnologia, neste caso, favorece a arte. Pela internet é possível ver seus clips em qualquer lugar do mundo. Certamente que a agradável experiência de ouvir essa cantora carioca se espalhará como o vento, pelos mais distantes rincões. Principalmente, despertará a atenção dos que pensam a MPB com um olhar mais contemporâneo, de Cartola à Itamar Assunção.

São muitas as ocorrências que nos fazem pensar a musicalidade absolutamente poética de Flávia Muniz. Suas composições são suaves provocações aos sentidos. É uma música que chega como um alerta, seja ecológico, seja existencial, seja estético. Estamos diante de uma artista que, mais do que tudo, experimenta vestir-se inteiramente com a mesma identidade artística, com a mesma personalidade de encarar o palco como espaço de permanentes experimentações. Especialmente dentro de uma linguagem que é, também, teatral. Muito ainda haverá de se comentar e escrever sobre o trabalho de Flávia Muniz, mas neste momento são as impressões que trazemos aos que buscam informações acerca desta cantora que encanta pelas suas interpretações de extrema singularidade e pelo seu inegável talento como compositora.

sábado, 17 de outubro de 2009

As oligarquias decadentes e seus ódios repugnantes


Por Lau Siqueira

Impressionante o artigo "A cidade de todos" publicado pelo colunista social Abelardo Jurema Filho, no Jornal Correio da Paraíba. Desta vez Abelardo extrapolou ao ocupar a coluna "Opinião" para demonstrar sua repulsa ao belíssimo monumento dedicado ao romance A Pedra do Reino. Uma justa homenagem da Prefeitura ao escritor paraibano Ariano Suassuna, nascido exatamente no Palácio da Redenção. A obra é assinada pelo consagrado artista plástico Miguel dos Santos e está instalada na Lagoa do Parque Solon de Lucena, num cenário de paraíso. O artigo é lamentável sob vários aspectos. Principalmente porque não se trata de uma crítica estética, mesmo que inocentemente fundamentada. O texto limita-se a demonstrar o ódio familiar que alimenta o “coronelismo fashion” que ainda domina alguns dos setores privilegiados da sociedade paraibana. Um ódio que se esparrama pelos becos. Por motivos não menos lamentáveis, o conservador Ariano não pronuncia o nome da capital da Paraíba. Parece que nem o tempo está sendo capaz de banir tamanha estupidez.

Inquestionável o valor da obra de Miguel dos Santos. Inquestionável o resgate de Ariano Suassuna para a cultura paraibana. Mas, o ódio oligarca que perdura por esses tempos modernos é um atentado ao bom senso. Afinal, com tanta violência permeando nossos dias, a cultura de paz precisa ser lembrada. Especialmente pelos formadores de opinião. Lamentável que pessoas públicas continuem disseminando um ódio histórico que em nada envolve a memória do povo. Um ódio que semeou através dos tempos uma única coisa: o atraso político e econômico do Estado. Não que seja preciso negar os episódios que culminaram com o assassinato de João Pessoa e levaram à morte uma das mais instigantes personagens da história do Estado, Anayde Beiriz. Certamente um nome que ainda perturba o sentimento medieval disfarçado em “mágoas de família” e que de tão enraizado, ainda perturba corações e mentes. O mais grave de tudo é que, mais uma vez, sobrou para uma obra de arte. Um totem que foi postado exatamente no chamado Cartão Postal da cidade com o objetivo de resgatar uma história que vem sendo, através dos tempos, sumariamente suprimida pelos interesses mesquinhos de uma elite que não se sustenta em idéias e princípios, mas em interesses muito particulares e ódios incendiários.

Incapaz de dimensionar a importância da obra exatamente pelos motivos acima expostos, Abelardo demonstra a sua incapacidade enquanto homem de imprensa ao se referir ao trabalho de Miguel dos Santos (artista que orgulha o povo pessoense), como “algo de gosto duvidoso”. Por que não explicita seu gosto? Seria digno entrarmos aqui num debate estético. Afinal, a arte existe exatamente para despertar o sentimento crítico e lúdico do povo. Uma arte que não provoca, não merece espaço na história. Por isso a obra de Miguel dos Santos em homenagem ao escritor paraibano (nascido numa capital que ainda não se chamava João Pessoa) ganha cotidianamente um fôlego novo para que uma nova ordem social e política seja estabelecida. Um tempo em que o ódio familiar não seja determinante no comportamento político de segmentos parasitários do poder.

Resgatar a cidadania paraibana de um dos escritores de maior consagração no Brasil e no exterior deveria ser algo inquestionável, uma vez que não raras vezes se diz que o povo paraibano ainda tem problemas de auto-estima. Por outro lado, apesar de ter retomado uma certa relação de amor com a Paraíba, Ariano ainda precisa se livrar de um acúmulo de ranços que já não nos dizem nada. Não há mais espaço para um ódio tão violento ainda expressado publicamente desta maneira. Os tempos são outros. A população é outra. A cidade é outra. Não importa o nome. Não sou favorável à mudança do nome. Mas, não sou favorável também que se jogue na lata de lixo da história, 424 anos de história, somente para acariciar a vaidade e a soberba de uma elite que, não raras vezes, nos envergonha por suas atitudes. Esse ódio atrapalha a Paraíba. E como atrapalha! Principalmente porque se reproduz nas micro-oligarquias que dominam politicamente o Estado. Um poder pouco democrático que a cada eleição coleciona cadáveres por sucumbir no jogo das idéias e do interesse público. O povo é apenas um detalhe para esses senhores.

O texto do colunista social Abelardo Jurema é um tipo de pistolagem como os que ainda violentam a vida na Paraíba. São vertentes do mesmo ódio. Uma violência verbal que se justifica no injustificável. Como difundir uma Cultura de Paz fechando os olhos para tamanha ignorância histórica? Uma ignorância de lado a lado que não leva em conta o quanto é vergonhoso constatarmos tão solenemente que ainda precisamos desmontar a lógica vingativa do poder oligarca. A lógica das poderosas famílias que sustentam ainda hoje as enormes diferenças sociais que fazem da vida nesta bela cidade, não raras vezes, um abismo onde até mesmo o silêncio faz eco. O povo paraibano é infinitamente superior às suas elites e saberá dizer não ao descalabro de termos ainda os interesses e as vaidades familiares, tão simbolicamente ficadas na expressão de quem deveria, sem nada de novo para dizer, por uma questão de bom senso, calar-se diante da grandiosidade da história e de um povo enriquecido pela sua cultura e pela generosidade geográfica do seu território. Os tempos são outros, senhores! Que esse ódio oligarca não embarque um futuro que as novas gerações precisam construir. O Haiti, não é aqui.

sábado, 10 de outubro de 2009

Economia criativa e o futuro das cidades


Por Lau Siqueira

Às vezes precisamos dizer o óbvio. Então, vamos lá: somente a inteligência poderá nos salvar da miséria. Pronto, está dito. E sigamos em frente: toda transformação política e social se dá, de forma majoritária, na estrutura dos sistemas econômicos. Sem mexer na ordem econômica, nada muda. Começo assim esta reflexão também por um motivo óbvio. O debate cultural brasileiro, a partir da gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, vem sendo instigado pelas potencialidades da economia da cultura em nosso país. Um setor que já ocupa 8% do Produto Interno Bruto Mundial. No Brasil, a cultura sozinha gera 5% dos postos de trabalho e paga salários acima da média nacional.

Convidado para facilitar uma mesa sobre cultura e economia criativa na II Conferência Municipal de Cultura comecei a pensar sobre este conceito tão novo. Lembrei logo de Monteiro Lobato que, em termos de criatividade empreendedora, foi um mestre. Na década de trinta eram poucas as livrarias brasileiras. No entanto, o escritor não se rendeu diante do desejo de ver sua obra distribuída pelo Brasil. Então, conseguiu o endereço de mais de duas mil casas comerciais. Eram mercearias, farmácias, armazéns e outros estabelecimentos. Escreveu uma carta circular com a seguinte pergunta: “Você quer vender também uma coisa chamada livro?” E assim começou a distribuir sues livros para todo o país.

Portanto, as grandes redes de supermercado e as bancas de jornais que também vendem livros, não estão fazendo outra coisa se não seguir os passos de Lobato. Essa questão me veio na memória logo após o convite da Fundação Cultural de João Pessoa, por uma questão muito simples: como reagir diante de dificuldades tão imensas? Não se trata apenas de expor um novo conceito de economia, mas de recolher idéias que sejam absolutamente transformadoras. Como provocar, também, um debate que não esteja somente guardado em propostas para uma conferência estadual e outra nacional? Na verdade, interessa que a Conferência Municipal de Cultura não apenas envie propostas. Sobretudo é preciso sacudir a roseira e propor a permanência do debate local acerca das questões que envolvem direta e indiretamente os interesses de artistas, produtores e demais profissionais da área da cultura.

Antes de pesquisar o conceito, percebi que a provocação era bem maior. Os artistas, setor majoritário nessas conferências, estariam sendo provocados para uma ação transformadora da ordem econômica. Principalmente pela certeza que não são apenas os artistas que estão sendo provocados, mas setores ligados à cultura e até então excluídos do debate econômico. (Como se aos artistas apenas interessassem as questões estéticas.) Parti para uma breve pesquisa e descobri outras obviedades. A proposta é muito mais ampla e o interesse não é nenhum pouco corporativo. Os incautos que se liguem. O país busca alternativas para a superação dos seus problemas neste início de milênio. É preciso abandonar o lugar comum da competição predatória marcada pela antropofagia capitalista. Desenvolvimento não pode ser sinônimo de destruição. Ou seja: se trata de algo que pode e precisa dialogar com idéias já estabelecidas de desenvolvimento sustentável e economia solidária, por exemplo. Esta pode ser uma das linhas do debate. A economia da cultura, portanto, passa a ser um dos principais vetores de uma transgressão da lógica do capitalismo mundial.

Em relação à Economia Criativa propriamente dita, os conceitos abundam. Dizem que tudo nasceu na Austrália no final dos anos 90 e se desenvolveu de forma mais elaborada na Inglaterra do primeiro ministro Tony Blair. É algo que se refere ao conhecimento e à produção intelectual de um modo geral. Compreendi melhor quando li o que escreveu o editor chefe do Business Week, Stephen B. Shepard: “Assim como a moeda de troca das empresas do Século XX eram os seus produtos físicos, a moeda das corporações do Século XXI serão as idéias. A Economia Industrial está rapidamente dando lugar à Economia da Criatividade. Vantagens competitivas desfrutadas por grandes empresas no passado são agora totalmente disponíveis para novas empresas em formação, graças à enorme disponibilidade de capital e ao poder da Internet. Com a globalização ainda num estágio recente, a Internet promete afetar as corporações muito mais nos próximos 20 anos do que foi possível fazê-lo nos últimos 5 anos. Nós não esperamos nada menos do que uma transformação radical dessas organizações num cenário em que a economia global privilegiará a criatividade, a inovação e a velocidade.” Também um professor norte-americano chamado Richard Florida, da Universidade de Carnegie Mellon, chamou a atenção. Ele adota o conceito da “Economia Criativa”, abordando questões educacionais e sócio-culturais. Mr. Florida desenvolve um conceito bastante amplo de Economia Criativa. Algo que envolve todos os profissionais e setores que oferecem serviços baseados no conhecimento. É isso ou deve ser isso que deve nortear o debate na Conferência e fora dela. Na verdade, a economia da cultura começa a ficar robusta diante do fantasma da globalização. Aqui no Brasil já é 5% do PIB. Um índice alto, mas que ao mesmo tempo nos revela uma coisa também óbvia: onde está esse dinheiro? Por que pensar a cultura somente a partir dos índices de governos? Qual o papel das políticas de cultura na transformação social? Estamos diante de um grande desafio, na verdade. Não há receita de bolo. Estamos apenas preparando a massa. Em última análise, voltamos a perceber o quanto Monteiro Lobato era mesmo um visionário. Também neste período ele escreveu o livro O Presidente Negro, prevendo que numa disputa entre um homem branco e uma mulher branca, um negro seria presidente dos Estados Unidos. No mesmo romance, ele já previa a transmissão de dados. Portanto, sigamos em frente! Quem sabe não descobrimos mais coisas relendo “As Reinações de Narizinho”?

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...