quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A relevância dos blogs para a poesia contemporânea

Lau Siqueira
Conforme N. Katherine Hayles, no livro Literatura eletrônica - novos horizontes para o literário, "a literatura do século XXI é computacional". Isso já diz muito acerca das reflexões que pretendemos neste artigo. Afinal, até mesmo os livros impressos são elaborados e revisados virtualmente. Talvez comece aí a desmistificação da importância do livro impresso neste tempo de velocidades virtuais. Houve uma inversão de valores para que se pudesse compreender alguns instrumentos de mídia virtual e a sua devida importância para a literatura. Não são poucos os canais de divulgação da poesia a partir de um instrumento que hoje podemos reconhecer como utensílio doméstico, o computador pessoal. São sites pessoais, canais de relacionamento, grupos de discussão literária. Tudo no espaço físico da sua residência destinado ao computador ou nos giros tridimensionais do lap-top. Todavia, nenhuma outra ferramenta se mostrou tão valiosa para os poetas e para a poesia que os blogs. Não chamaria isso de inversão de valores, mas até mesmo escritores consagrados mundialmente como José Saramago não abriram mão deste instrumento interativo, para uma relação mais aproximada entre o autor e a diversidade de olhares dos mais diferentes tipos de leitor.

Inicialmente reconhecido como uma ferramenta criada para distrair adolescentes ou no máximo para despertar a criatividade de uma geração de nerds, os blogs foram pouco a pouco se transformando em importantes veículos de comunicação interativa, seja para escritores ou para jornalistas, muito especialmente. Nomes reconhecidos da mídia tradicional, nas duas vertentes do conhecimento aos poucos foram ocupando os melhores espaços na blogosfera com blogs dos mais diversos estilos. Podemos afirmar, sem risco de engano, que com o surgimento dos blogs a poesia foi o gênero mais beneficiado entre todos os gêneros da literatura. O fácil acesso e o fácil manuseio desta ferramenta foi naturalmente conquistando escritores reconhecidos ou desconhecidos. Eles foram percebendo que poderiam focar na sua produção ao invés de preocupar-se, também, com o equilíbrio das tags e das ranhuras de uma tecnologia que vem sendo pensada às fatias e desenvolvendo-se de forma surpreendentemente veloz. Certamente que dentro de algum tempo os blogs representarão uma linguagem superada. No entanto, no final desta primeira década do Terceiro Milênio representam a redenção, a democratização e compreensão dos novos caminhos da poesia contemporânea em qualquer parte do mundo.

Certamente ainda é muito importante lançar um livro. Os e-books, neste sentido, parecem longe da possibilidade de superação da “ácaro-mania”. A paixão pelos livros nos tempos em que a banalização inspira cada vez maiores cuidados com as formas e com os conteúdos ainda é a mesma dos tempos de Proust, quando este clássico francês chegou a afirmar que as melhores lembranças da nossa infância estariam nas imagens colhidas da memória dos primeiros livros que tenhamos lido. Mas, o debate acerca do real e do virtual também nos leva a refletir sobre o fato de ser menos danoso ao futuro da humanidade possuir um mau blog do que publicar um mau livro. (A natureza agradeceria o bom senso.) Ocorre que, a preço de hoje, os nomes mais respeitáveis da poesia contemporânea brasileira (e mundial), independentemente do número de livros que tenham lançado, não abrem mão de manter seus blogs literários. Claro que isso não é uma regra, mas evidentemente é uma realidade inquestionável. Isso não ocorreria se possuir um blog não oferecesse imensas vantagens ao escritor, muito especificamente ao poeta.

Mas, como não existe fenômeno significativo que não gere outro igualmente significativo, destacamos um fator afluente do fenômeno dos blogs que também acende a nossa gula investigativa para uma próxima abordagem. Há uma evidente ascensão (talvez até mesmo uma forte influência) de escritores blogueiros sobre outros escritores ou candidatos a escritores também blogueiros. Especialmente poetas cuja produção foi consagrada publicamente através dos blogs chegam a alcançar níveis respeitáveis de trocas com outros poetas. Logicamente que daí não poderemos extrair interpretações óbvias. Não se trata de autores cronologicamente mais antigos influenciando escritores cronologicamente mais jovens. Trata-se de bons escritores, jovens ou não, influenciando ou trocando influências com outros escritores (jovens ou não) a partir das cartas de navegação oferecidas gratuitamente nos oceanos serenos e profundos da web. Este é um tema sobre o qual estudiosos devem estar se debruçando nos cursos de Letras onde o professorado, de um modo geral, não parou ainda para pensar nos efeitos que teria a internet para a época e para a poesia de Arthur Rimbaud, por exemplo, ou para o nosso condoreiro Castro Alves. Afinal, ambos produziram a parte mais significativa das suas obras com a idade da grande maioria dos jovens desbravadores das possibilidades da internet e das suas ferramentas. Portanto, um novo Rimbaud pode estar inaugurando seu blog exatamente hoje, no Acre, por que não?

Este é um fator que não irá gerar uma demanda de pesquisa apenas daqui a dez ou vinte anos. Não haverá, dada a velocidade dos tempos, oportunidade para distanciamento científico. O próprio conhecimento acadêmico não poderá abdicar de um futuro que já começou para refletir sobre o que está em pleno processo e, até mesmo por isso, operando mudanças culturais bastante acentuadas e influenciando comportamentos nas mais diversas áreas. Sobretudo na literatura e mais ainda na poesia que vai, assim, rompendo a aura de marginalidade para se mostrar detentora de uma imensa camada de admiradores que, na grande maioria, são também militantes da invenção nas portas das milhões de fábricas de miolos onde se processa permanentemente a metalurgia da palavra.

Logicamente que não queremos aqui desenvolver um raciocínio definitivo, mas apenas levantar questões relativas ao futuro da poesia a partir de um cânone cada vez mais desmistificado e a partir de uma solução ávida de novas soluções. Mais do que nunca precisamos lembrar a profecia de Cazuza: "o tempo não pára." Estamos no tempo em que trocar a roda de uma locomotiva em movimento pode ser um descaminho inevitável para a consolidação de uma geléia cujas expressões maiores devem ser esculpidas não apenas com os hálitos da delicadeza, mas principalmente com a certeza cada vez mais absoluta que “tudo que é sólido desmancha no ar”. Esta é apenas uma "levantada de bola" para um assunto que nem de perto se esgota por aqui. Afinal, quem escreve e principalmente quem escreve um poema, seja na idade média ou na idade mídia, apenas inicia um processo que se revela e se traduz de diferentes formas no olhar de quem lê, estendendo-se para além das ferramentas mais avançadas e popularizadas, a exemplo dos blogs.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...