segunda-feira, 26 de março de 2012

"Enquanto engomo a calça..."

Chegamos ao Século XXI com uma carga enorme de passado. Os Tempos Modernos produziram um caldo de diferenças em permanente estado de choque. O mundo já não evita o caos, adapta-se a ele. A sociedade reclama da violência, mas também a propaga e nela se esconde. Os manicômios, os presídios, os guetos, as algemas conceituais... Todos os confinamentos de corpos e ideias aguardam a próxima rebelião ou a próxima farsa. Do lado de dentro do espelho a esperança faz cara de abandono, mas não se rende. Assim caminha o Brasil para o topo da economia mundial: arrastando correntes medievais. Avançamos, mas ainda estamos submersos nas piores heranças. No entanto, o que assusta e constrange é saber que os incomodados já não incomodam tanto. Existe uma nuvem de interesses na transmutação entre a realidade e a fantasia.


Nosso país é um poço de contrastes. Temos leis avançadas e somos regidos por jurisprudências, omissões e bravatas. Exportamos abundância e abandono. As instituições acostumaram-se ao engodo e à desova de responsabilidades. O fato é que a história está em nossas mãos e se fôssemos eleger os principais desafios do século XXI, ainda encontraríamos as origens da civilização. A infância, todavia, talvez seja o fato mais perturbador e complexo. A condição humana, com suas mazelas, viaja no bonde da história. Mas, o que existe é um nítido sentimento de lentidão. Infelizmente somos desastrados em termos de construção coletiva. O homem é o principal inimigo do homem. Particulariza-se e partidariza-se as circunstâncias. Não há maturidade para o enfrentamento de questões cujas raízes são culturais, históricas, estéticas e antropológicas. Não raro, o bom senso perdeu o rumo de casa e também dorme ao relento.


Apesar do imenso hiato entre o geral e o específico “o novo sempre vem”. Políticas públicas vão sendo testadas, tatuadas na diversidade da raça. Mesmo assim, o fato é que se muda a nomenclatura de problemas que permanecem intactos. Vivemos um tempo inconcluso e de respostas pasteurizadas. O debate público é cínico ou raro. A realidade vai batendo nas portas e janelas, invadindo campos e cidades, pedindo socorro. Existe um cotidiano imenso a ser transformado. Isso não ocorrerá por decreto ou pela força da lei. Afinal, não é de hoje que o machismo mata. A homofobia e o racismo continuam violando direitos sociais e individuais. São nossos os filhos que estão dormindo pelas ruas ou fumando crack num luxuoso décimo andar. Parece que a família decretou falência e transferiu para o Estado uma responsabilidade que é sua. Crianças e idosos esperam por nós na próxima esquina. Eles sabem que “a mão que afaga é a mesma que apedreja.”



(texto publicado no Jornal da Paraíba, 25.03.12)

domingo, 11 de março de 2012

Um corredor para a leitura.

por Lau Siqueira


No próximo dia 15 de março, quinta-feira, a partir das 08:30 estaremos inaugurando uma provocação. Sim, uma provocação. Afinal, consideramos o acesso ao livro o primeiro impedimento para a formação de leitores. A tarefa de desmistificar isso é a nossa provocação. O Corredor da Leitura é uma ação muito simples que acontecerá no corredor da Secretaria de Desenvolvimento Social do Município de João Pessoa - SEDES, localizada no Centro Administrativo Municipal. Todavia é imensa a vontade de, a partir desse Corredor da Leitura, articularmos outras ações de incentivo à leitura existentes na cidade ou noutras cidades. Sejam essas ações bibliotecas comunitárias, salas ou rodas de leitura. Pouco importa. Não estamos criando nada novo. Exceto pela sempre extraordinária vontade de contribuir para elevarmos o nível de leitura na cidade.

O Corredor da Leitura acontecerá da forma mais simples possível. Teremos uma estante num corredor onde circulam muitas pessoas. Sejam funcionários públicos ou usuários dos serviços da Prefeitura. Não haverá qualquer tipo de controle sobre a retirada, reposição ou mesmo doação de livros e revistas. Vamos trabalhar com princípios do engajamento social, da vontade coletiva, da solidariedade sem limites, da partilha como finalidade. A idéia central é que se perca mesmo o controle e o projeto passe a funcionar como uma “bisbilhoteca”, despertando nas pessoas a vontade de levar algo de qualidade para ler em casa. Claro que vai aí uma boa dose de utopia. Mas, o que seria da realidade se não fossem as utopias?

O custo desta ação não existe. Ou melhor: já existiu, mas não propriamente para ser incorporado na história do Corredor da Leitura. Vamos usar uma estante que já existia, feita pela Marcenaria Escola da SEDES. Não queremos ser um campo de desova de livros didáticos ultrapassados, riscados. Queremos trabalhar com bons livros que acabam guardados. A idéia é diminuir a distância entre o livro e as pessoas que por ali circulam. Funcionários e funcionárias ou não. Para tanto, temos contado com boas doações. Um acervo que já aponta para a criação de mais três bibliotecas somente na secretaria. Uma delas no Centro de Referência em Assistência Social que atende a população de rua – o CREAS – POP, outra no Centro de Formação Margarida Pereira da Silva, que atende crianças e adolescentes residentes em abrigos da Prefeitura e uma no Centro Intergeracional Sinhá Bandeira que fica localizado no bairro da Torre.

O Corredor da leitura, portanto, não nasce como um projeto isolado. Nasce vocacionado para uma articulação bem mais ampla que passará necessariamente por experiências referenciais como a Biblioteca Livro em Rodas, projetos como da Escola Viva Olho do Tempo, que pretende distribuir livros em uma carroça na comunidade rural de Gramame, em João Pessoa. Experiências como a da Casa Pequeno Davi, da Biblioteca Comunitária Cactus e outras tantas que surgem na cidade. Na articulação, a Assessoria Pedagógica da Fundação Cultural de João Pessoa, a assessoria de Literatura da Estação Ciência, as instituições interessadas e a assessoria para políticas de leitura da SEDES que ficarão sob o comando do poeta André Ricardo Aguiar e de Rosilene Santana que hoje coordena a Biblioteca Comunitária Antônio soares de Lima na comunidade Tito Silva. Experiências como o sarau Poesia no Hospício, dialogam diretamente com o Corredor da Leitura.

Portanto, provavelmente o que há de novo é a possibilidade de construção de uma política transversal que seja capaz de despertar o espírito crítico e o protagonismo no funcionalismo público e nos usuários das políticas públicas desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de João Pessoa. A idéia é que os corredores se multipliquem para que possamos dar vasão às generosas doações de livros que temos recebido. Enfim, estamos prontos para iniciar uma ação que, temos certeza, cabe inteira dentro de qualquer política social, uma vez que desarma o primeiro inimigo da leitura que é o acesso ao livro. Queremos que o acesso ao livro seja pleno e no caso do projeto Corredor da Leitura - que deveremos desenvolver também em outros locais -, sem qualquer tipo de controle sobre a circulação. A idéia central é exatamente perder o controle sobre os livros. Afinal, temos repetido números que revelam uma das grandes contradições brasileiras. Estamos entre os dez países que mais produz livros no mundo. O MEC é o terceiro maior comprador de livros do mundo. Portanto, teremos acervo suficiente para fazer com que Machado de Assis seja mais conhecido de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, artistas, vigilantes, moradores de rua, juízes, educadores, conselheiros de direitos, etc.

O Corredor da Leitura, na verdade, traz uma série de provocações. Uma delas é quanto aos recursos necessários para que o incentivo à leitura seja colocado em prática. Neste caso, o custo para os cofres públicos é zero. Outra provocação se refere ao desmascaramento das “conversas de corredor” que tantas vezes acabam causando abalos na tranquilidade dos mais frágeis. A mais importante, no entanto, se refere ao acesso ao conhecimento que, sabemos, não se resume à informações técnicas, mas principalmente ao que Roland Barthes já detectava na literatura: um instrumento de muitos saberes. Portanto, dia 15 as portas estarão abertas e os livros estarão disponíveis aos que acreditam que o conhecimento não pode ser propriedade privada de ninguém.

terça-feira, 6 de março de 2012

CARTA ABERTA À SENHORA PRESIDENTA DA REPÚBLICA


Em 29 de fevereiro de 2012


À
Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República
PALÁCIO DO PLANALTO
Brasília - DF


Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Roussef,


Face à presente campanha da operadora Sky nos órgãos de comunicação, que acreditamos orquestrada por agentes do mercado televisivo contra a implantação da Lei 12.485/11, que, a exemplo de legislações de outros países, determina a obrigatoriedade de exibição de conteúdo nacional de produção independente na televisão a cabo, nós, associações profissionais representativas da produção audiovisual independente do Brasil, nos manifestamos perante Vossa Excelência no sentido dos seguintes pontos que cremos ser de natureza relevante na apreciação da questão:


A televisão é o mais complexo e importante veículo de comunicação social. Produz cultura, veicula cultura, é em si cultura. Por meio da programação do que exibimos em nossos aparelhos de TV, domésticos e coletivos, divulgamos nossa realidade, costumes, língua, artes, política, história. A ela deve-se a consolidação e o exercício da cidadania. Por essas razões é bem de interesse público, como tal reconhecido em todo o mundo, e o direito a explorá-la objeto de regulação do Estado moderno.


2. No Brasil, esta função regulatória vem sendo exercida pela ANATEL e agora, com a Lei 12.485/11, compartida com a ANCINE. Com esta lei, não somente passam a estar reguladas as plataformas de emissão de programas e de sinais, como também a origem dos conteúdos veiculados na TV por assinatura, garantindo, assim, ao cidadão o acesso à produção de obras brasileiras realizadas fora dos estúdios das emissoras de televisão.


3. Os princípios da regulamentação norte-americana dos anos 50 do século passado, que propiciaram o fortalecimento de Hollywood, finalmente passam a ser adotados no Brasil. Com isto, cresce nossa indústria do audiovisual e se proporciona ao cidadão o acesso a uma maior diversidade de obras brasileiras. Mais emprego, mais desenvolvimento, mais know-how, mais exportação são gerados pela presença de mais cultura brasileira nas telas do país e do mundo.


4. O que os adversários da Lei 12.485/11 temem é a mudança. É saber que dentro de alguns anos o país pode passar de consumidor a produtor e exportador. É não aceitar que a produção audiovisual brasileira possa participar efetivamente do mercado mundial e tampouco de seu próprio mercado. Algo semelhante ao que ocorreu no início da indústria petrolífera no Brasil.

5. A campanha contra a implantação desta lei tem origem neste comodismo, que atende a interesses que não condizem com um país cuja soberania é hoje objeto de admiração, respeito e reconhecimento em todo o mundo.


6. Capitaneada pela operadora Sky, esta campanha tem como objetivo apenas beneficiar empresas exclusivamente voltadas para a exploração de nosso crescente mercado interno, sem nada oferecer em troca. Por meio de ações judiciais e milionárias campanhas publicitárias assediam com cínicos sofismas a opinião pública buscando influenciá-la contra o direito soberano da nação de regulamentar suas concessões públicas.

7. Buscam confundir “regulamentação” com “censura” e “imposição autocrática”. Buscam desqualificar uma lei, formulada e debatida por cinco anos no Congresso Nacional, que passou por todas as instâncias processuais e foros de discussão democráticos. Buscam identificá-la como fruto do autoritarismo e não como resultado de um grande entendimento nacional. Buscam desmoralizar as agências reguladoras atacando-lhes as atribuições legais e dos que ali estão para cumpri-las.

8. Utilizam-se da concessão que lhes foi atribuída pelo Estado incitando a população contra o Legislativo e contra o Executivo. Trata-se, em suma, de um comportamento incompatível com empresas que atuam num país orientado pelos princípios da democracia, do respeito às instituições, da livre iniciativa e do cumprimento às leis.


9. A regulamentação da Lei 12.485/11 está aberta a todos. Sua implantação aponta novas e promissoras portas e oportunidades de negócios. Deve ser recebida pela sociedade, pelos profissionais e pelas empresas como uma grande oportunidade de participar de uma atividade de crescente importância industrial e cultural. À altura do que queremos para o país.


É assim, Senhora Presidente, que nos dirigimos a Vossa Excelência, cumprimentando-a pelos avanços já obtidos na aprovação e na sanção da Lei 12.485/11, mas, igualmente, reiterando nosso apelo para que se dê continuidade ao apoio do Poder Executivo para a conclusão da regulamentação e implantação destes instrumentos legais de importância histórica para o país.


Respeitosamente,



ABRE – Associação Brasileira dos Realizadores de Filmes de Longa Metragem

Renato Barbieri

renato@videografia.com.br



ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas

Rodolfo Brandão

dodo@elipsetvcine.com.br



APACI – Associação Paulista de Cineastas

Rubens Rewald

rrewald@gmail.com



APROCINE - Associação dos Produtores e Realizadores de Filmes de Longa Metragem de Brasília

Manfredo Caldas

folkino@terra.com.br



APCNN – Associação dos Produtores e Cineastas do Norte e Nordeste

Wolney Oliveira

wolney45@terra.com.br



APCBA - Associação de Produtores e Cineastas da Bahia

Jorge Alfredo Guimarães

jorgealfredo@globo.com



APROECE - Associação de Cineastas e Produtores do Ceará

Moisés Pedro Magalhães de Lima

eclipsefilmes@yahoo.com.br



SIAV RS - Sindicato da Industria Audiovisual do Rio Grande do Sul

Henrique de Freitas Lima

hflima@terra.com.br



SANTACINE - Sindicato da Industria do Audiovisual de Santa Catarina

Bhig Villas B?as

bhig@setcom.art.br



CINEMA BRASIL - Instituto Cultural Cinema Brasil

Marcos Manhães Marins

diretoria@cinemabrasil.org.br



CBC / Congresso Brasileiro de Cinema

João Baptista Pimentel Neto

cbc.presidente@cbcinema.org.br



Coalização da Diversidade Cultural do Brasil

Geraldo Moraes

filmesom@uol.com.br



ABD – Associação Brasileira de Documentaristas

APTC ABD - RS - Alfredo Barros

ABD – SP - Celso Gonçalves

ABD - GO - Carlos Cipriano Gomes Junior

ABD - PI - Kleyton Marinho

ABD - DF - André Carvalheira

ABD - MG - Marco Aurélio

ABD - PR - Guto Pasko

ABD - RJ - Clementino Junior

ABD – ES – Alexandre Serafini

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...