quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A agonia cotidiana dos mestres.



por Lau Siqueira

O capitalismo se mostra ainda mais cruel quando descobrimos pessoas talentosas vivendo nas mais precárias condições. São raros os casos de superação.  Por exemplo, o morador de rua que passou num concurso público da Caixa Econômica Federal, em Recife. O inverso também é uma verdade escancarada. Na Casa de Acolhida para pessoas vivendo em situação de rua, em João Pessoa, havia um acolhido com curso superior. Enfim, não há como esquecer. Um sistema que induz o consumo e não distribui riquezas só pode produzir uma desigualdade infame e uma desesperadora falta de perspectivas.

Um dos ambientes que  revela esse descompasso é o ambiente da Cultura Popular. Os grandes mestres são canavieiros, catadores de reciclagem, criadores de cabra, vendedores de alho no mercado, agricultores, porteiros de prédios públicos. Claro que isso não é uma regra. Temos também grandes mestres que tiveram oportunidade e fizeram universidade. Uma minoria insignificante vive bem, ou razoavelmente bem. Entretanto a maior parte vive na mais absurda miséria. Esta é, aliás, a realidade de grande parte da população. São inevitáveis, pois os reflexos nas representações culturais.

Recentemente, estivemos no aniversário de 90 anos da “rainha do pífano”, Zabé da Loca. Não é difícil perceber que a tão conhecida e reconhecida artista popular vive em condições precárias. Mesmo recebendo a pensão simbólica de dois salários mínimos, por ter sido contemplada com a Lei Canhoto da Paraíba. O que se ouve por lá são comentários que no dia-a-dia o tratamento dispensado à Zabé não é dos mais dignos. “Quem quiser saber a realidade que venha aqui no sítio em dia de semana, sem festa. Dia desses, estive aqui e ela estava sozinha. Tinha só uns grãozinhos de feijão puro na panela para ela comer”, comentou um amigo violeiro no dia da festa de aniversário de 90 anos de Zabé. 

A maioria dos mestres vive situação semelhante ou até pior. A exclusão começa cedo, na dificuldade do acesso à Educação. A velhice  revela a precariedade dos sistemas de saúde e assistência. Profissionalmente, com raras exceções, o que sobra é a exclusão dos espaços da cultura. Escrever sobre isso não muda muita coisa, é verdade. Mas, esquecer essa realidade haverá de consolidá-la, levando a vulnerabilidade dos mestres para a linha de invisibilidade criada e cuidadosamente mantida pelo neoliberalismo cultural. Logicamente que apenas um processo histórico e revolucionário poderia fazer com que esta realidade do nosso povo, vivenciada pelos mestres, pudesse ser estudada como elemento de um passado que, de vera, ainda não passou.

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