quarta-feira, 11 de março de 2009

Entre a suavidade e o abismo - a poesia de Adair Carvalhais Júnior

Lau Siqueira

Em “A Arte Poética”, Horácio (68-8 aC) deixou um recado bastante contundente: “a pintores e poetas sempre assistiu a justa liberdade de ousar seja o que for”. Sempre colhi infinitas leituras desta frase. Penso que a ousadia de construir versos, sejam eles tatuados na garganta ou rabiscados desde a eternidade das rochas até a falsa efemeridade dos suportes virtuais, é o risco dos poetas. Desde os tempos extraviados pela memória do mundo, privilegiando o ritmo ou a imagem, subtraindo vozes do silêncio ou arrancando o hálito do futuro, os poetas reinventam-se numa solidão de olhos invisíveis.

O tempo poético nunca correu em linha reta para encontrar pelo caminho as pancadas amorosas de Safo; as imagens exatas transcritas pelos poetas da Dinastia Tang; os poemas suspensos dos beduínos, espalhados pelo deserto; os inventos dos poetas provençais e o desaguadouro de uma modernidade que já não cabe na cronologia do esquecimento. Vivemos um tempo multifacetado onde a poesia revela sua inutilidade imprescindível numa permanente reverberação de novos caminhos. Agora, já sem as angústias de engajamentos e acorrentamentos em vanguardas ou nos saudosismos desesperados.

Desde seu livro anterior (Desencontrados Ventos) que o poeta mineiro Adair Carvalhais Júnior vem, notadamente, trafegando por uma relação com a linguagem poética que perpassa as mais densas leituras. Leituras que não eliminam da mesma estante as diferenças estéticas recolhidas nos embates profusos intensificados no limiar do século XX, um tempo de fartas colheitas para a contemporaneidade.

Em “Todo poema é um risco lançado sobre o nada” Adair nos parece muito mais convicto do que nunca de sua relação com as linguagens do mundo e com a transcrição dos seus hábitos de comungar com uma singularidade absolutamente despojada na invenção dos seus textos. Na construção de uma dicção absoluta, aliás, sobre sua própria condição de arriscar-se num mergulho pelo infinito das suas próprias impossibilidades.

Explorando temáticas que vão dos seus mais íntimos conflitos de estar num mundo em constante ebulição, com a sensualidade das relações que fluem no conflito entre a palavra e o sentimento racionalizado, erigido a partir de intensas reflexões sobre um cotidiano onde a linguagem pulsa cálida em poemas assim:

ecos


umidade pálida nas
paredes vozes oblíquas um
pouco de
poeira no criado
mudo teu
sorriso em meus
olhos

os dias seguindo as
noites

Algumas vezes trocando o escrito pela sutileza de uma expressão sugerida. Algumas vezes provocando o leitor na sensação múltipla do corte de versos que multiplicam seus sentidos no inesperado, no mergulho ao mesmo tempo convicto e distraído em direção a um estilo que cada vez mais se consolida num exercício cotidiano com a palavra. Um exercício que venho testemunhando através do tempo, ao receber suas impulsões de natureza muitas vezes visceral, mas absolutamente racionalizadas no espelho d’água da criação literária.

Parece-me que Adair Carvalhais Júnior parte agora em definitivo para a configuração de uma maturidade na lida com a linguagem que margeia um certo espírito aventureiro, essencial aos procedimentos criativos, correndo em fluxo contínuo para as sensações que se completam no que se refere a cada poema, com o olhar atento do leitor ou da leitora deste belo “Todo poema é um risco lançado sobre o nada”.

A poesia aparece em Adair como um estranho sumidouro de coisas não ditas. Como uma especiaria ao mesmo tempo inebriante e suprimida dos sentidos. Uma explosão de ventanias levantando as areias de um tempo presente vivido entre as lições do passado e as intenções do futuro. O poeta confessa, inclusive, não temer o esquartejamento crítico de uma leitura desatenta. Ele mergulha consciente no oco da invenção e nos relata isso com os próprios trajetos da sua imersão:

confissão


todo poema é um risco
lançado sobre o
nada todo
poema ceifa completamente o
corpo

em cada angústia
vespertina arrisco todos
meus poemas naufrago na
carne
devastada

Então me ocorre o silêncio diante de uma leitura que, apesar de concluída, jamais será objeto de um único e esparso entendimento. Outras colheitas, certamente, haverão de advir do inesgotável e do imprescindível que se guarda na inteligência humana ao acompanhar até mesmo a razão das nuvens que se transformam sob o olhar desolado dos que sabem que o mundo não gira exatamente a partir do que pensamos sobre ele. Da mesma forma que as nuvens, a poesia não precisa de nós.

Um comentário:

bocadepoema disse...

nossa adorei a visita..dei uma boa olhada nos seus blogs.
bjus e a Marcinha é otimaaaa

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