Sempre me ocorre pensar no que representa possuir a alma vestida com a epiderme da arte. Ou seja: vivenciar a integralidade da condição artística. Uma espécie de nudez que protege nosso outro mesmo lado. Transcender assim num mundo de distâncias coisificadas e diferenças não suficientemente revolvidas é uma provocação necessária. E é exatamente este o caminho que vem trilhando Érica Maria, com seu canto e com a expressão uma de nudez existencial que transcende os limites da voz.
Seu canto amazônico (ela nasceu em Boa Vista-RR) está exatamente situado nas margens de um tempo de diluições consagradas, mas também de uma ebulição muito singular na Musica Brasileira Contemporânea. Uma efervescência que, no mais das vezes, não alcança os olhos arregalados da mídia conservadora para uma menção consagrada em termos de popularidade. No entanto, o represamento formal e decadente da indústria fonográfica começa a sofrer revezes com o aparecimento de novas formas de divulgação que produzem uma relação direta do artista com o público. Uma reação, por exemplo, que trouxe da informalidade de um apartamento paulistano para as páginas da revista Bravo, aos 16 anos, a cantora Malu Moraes.
Independentemente do que possa consagrar em termos de qualidade artística para o fenômeno internauta que transformou a vida adolescente de Malu Moraes, me refiro ao poderio midiático da internet. Os mesmos meios estão disponíveis para que possamos conhecer também o trabalho de Érica Maria. Um timbre que nos chega universalizado pelos sabores da pesquisa musical e do estudo como método de amadurecimento artístico. Uma voz que tem sido ouvida e admirada no vizinho estado de Pernambuco (e em outras paragens), começa a buscar a legitimidade dos seus espaços na terra do mestre Sivuca.
Uma vez Érica me falou que não lia música, que era intuitiva. Essa afirmação me remete ao que diz Fayga Ostrower (renomada artista plástica brasileira, nascida na Polônia) no livro Criatividade e Processos de Criação: “A intuição vem a ser dos mais importantes modos cognitivos do homem. Ao contrário do instinto, permite-lhe lidar com situações novas e inesperadas. Permite que, instantaneamente, visualize e internalize a ocorrência de fenômenos, julgue e compreenda algo a seu respeito. Permite-lhe agir espontaneamente.”
Este conceito pode ser plenamente visualizado no site de Érica Maria, www.ericamaria.com.br onde além de algumas músicas, também podemos conferir a expressividade visual do canto desta cantora brasileira, em vídeos lá expostos. Podemos observar, por exemplo, que a sensualidade se revela numa expressão corporal densa, mas sem qualquer indício apelativo. Com muita técnica, mas, sobretudo com a naturalidade determinando um equilibrado domínio dos espaços do palco. Na verdade, é o canto extrapolando os limites da voz, saltando pelos poros, transbordando de uma alma desacostumada ao silêncio que não seja exatamente o silêncio das pausas melódicas e dos gestos necessários aos veios interpretativos na construção de um espetáculo.
A expressividade musical em seu estado absoluto. Eis o que se revela nesta jovem cantora que aos poucos vem conquistando seus espaços no cenário nordestino. Atropelando delicadamente o acomodamento e até mesmo certa estagnação muito comum em artistas amadurecidos pelo desconforto do esquecimento. Tudo isso ocorre no epicentro de uma nova cena musical brasileira que nos traz expressões como Dona Zica, Mariana Aydar, Tulipa Ruiz e o talentoso e jovem cantor e compositor paraibano, Chico Limeira, entre tantos e tantas artistas que crescem antenados com o seu tempo, com a historiagrafia e com os mistérios da arte.
Enfim, aos que se encantam com a descoberta de novos caminhos para a musica brasileira contemporânea, ouso afirmar que estamos diante de uma nova possibilidade de encantamento. Aos que acreditam na permanente renovação da resistência artistica brasileira, nada melhor que conferir a arte reveladora de Érica Maria.
Lau Siqueira, poeta
http://www.lau-siqueira.blogspot.com/
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domingo, 1 de março de 2009
A universalidade amazônica no canto de Érica Maria
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2 comentários:
Érica Maria de fato faz a sua ciranda de forma encantadora.
Bravo!
Adina Bezerra
Bonita homenagem a Érica Maria!
Parabéns!!!!!!!!
beijinhos,
Ana Martins
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