sábado, 17 de setembro de 2011

E POR QUE PUBLICAR EM TEMPOS DE PENÚRIA?

Por Lau Siqueira
Sinceramente, talvez eu não saiba responder com precisão a pergunta e duvido muito que possa dizer alguma novidade sobre essa questão que me foi colocada para debate na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, edição 2011. O tema está escancarado para muitas abordagens. Existirão, certamente, muitos pontos de vírgula. Vamos tentar resumir a ópera num passeio sobre o que tem sido publicar especificamente poesia no Brasil. Também não há como aprofundar por aqui, mas há como buscar um diálogo com os diversos contextos que o tema propõe. Depois da internet a poesia não pode mais viver de lamúrias, muito menos se queixar de penúria. É verdade que as grandes editoras parecem pouco interessadas na poesia contemporânea, mas também parece verdade que a poesia contemporânea aprendeu a sobreviver sem as grandes editoras. São realidades que se distanciam cada vez mais. O mercado do livro no Brasil está muito mais interessado em Bruna Surfistinha que em poetas contemporâneos. Já imagino algum espaço de Bienal chamado “Boquete Literário”.

A questão do mercado editorial preocupa mais na relação com o poder público, penso. O Ministério da Educação é o terceiro maior comprador de livros do mundo e, ainda assim, temos uma política de bibliotecas precária e a literatura nas escolas e faculdades é artigo de luxo ou de lixo. As políticas de leitura passam ao largo e crescem mais na guerrilha de algumas ONGs que nas Secretarias de Educação. Não acho que os poetas contemporâneos estão excluídos do mercado editorial brasileiro. Ninguém é excluído de onde nunca esteve. A poesia é um dos gêneros mais populares e mesmo assim não tem mercado. Não existe mercado para autor vivo, é bem verdade. Poesia não é mercadoria. Mas, qual gênero literário ou que arte é mercadoria? A relação do mercado se dá com o objeto-livro e não com o conteúdo. Caso contrário, ao invés de apostar em Zíbia Gaspareto o mercado do livro estaria apostando em Glauco Matoso.

Não sei se podemos chamar de penúria viver fora do eixo que na linguagem dos becos criativos significa estar fora dos catálogos das editoras. Preciso deixar claro que ficar conhecido ou estar publicado por gigantes do mercado editorial não melhora a literatura de ninguém. Parece que o mercado do livro está mais interessado em abocanhar o lucro fácil do dinheiro público, com o pleno favorecimento da mofada lei de Licitações e Contratos, a lei 8666. Uma lei que trata como produtos iguais um violino e um saco de batatas, guardadas as utilidades e necessidades de ambos para a sobrevivência humana. Um ente público não pode comprar livros e distribuir em bibliotecas comunitárias porque a lei permite fraudes, permite corrupção, pune erro de contabilidade enquanto acoberda escândalos, mas não permite a doação do que chamam de “material permanente”.

Penso que depois da internet a poesia contemporânea ganhou um espaço considerável, tanto na nova mídia eletrônica quanto nas possibilidades de distribuição, nas possibilidades de construção de nichos de mercado com a venda até mesmo por e-mail. Cada poeta é, pois, o distribuidor da própria obra. Portanto, em termos de poesia não podemos falar de penúria porque nenhum dos nossos grandes poetas teve tamanho e tão democrático espaço de visibilidade. Resta saber se em tempos de mídia eletrônica ainda teremos um novo Fernando Pessoa. Devemos considerar, também, que a grande mídia  já não é a mesma e não mantém a mesma relação com os interesses da cultura. Os jornais ampliaram as colunas sociais diminuindo as páginas de cultura e isto é um fato. A maioria trata entretenimento como cultura. Então a cultura, naturalmente, foi buscar suas mídias. Imaginem dentro deste balaio de bafos, onde fica a literatura e onde se esconde a poesia.

Não quero dizer com isso que inexistam espaços para a cultura e especialmente para a poesia na mídia formal. Acho que existe sim e alguns bastante generosos - mas também excessivamente ocasionais. Entretanto, precisamos reconhecer que a partir da comunicação eletrônica foi possível que cada escritor construísse seus nichos de informação, suas redes de interesse. Isso permitiu que algumas invisibilidades se tornassem explosivas e alguns desconhecidos pudessem ganhar destaque nacional e até internacional, sem aprovação das academias e sem antes ter passeado pelos canais da mídia tradicional, modernizada tecnologicamente. Geralmente desconectada das múltiplas realidades vividas pelo avesso da globalização. Devemos reconhecer, a despeito da selvageria econômica, a globalização tem seus encantos quando o assunto é difusão de informações, pois com o avanço da tecnologia o controle ficou pouco viável.

Discute-se alguns temas polêmicos como o fim do livro. Penso que o livro em papel somente vai acabar quando acabarem as árvores, como já disseram por aí. Então,  a inteligência humana já terá desenvolvido tecnologia para fabricar papel de garrafas pet ou outro lixo qualquer, uma vez que o lixo cada vez mais se torna uma poderosa matéria prima. Isso não preocupa, uma vez que na Feira do Livro de Porto Alegre são impressos poemas em folhas de fibra de arroz, com o leitor sendo convidado a ler e comer poemas de diversas matizes estéticas e sabores diversos. A penúria, no meu entendimento, está diminuindo se o caso é abafar delírios e conter vaidades. Acho a penúria ainda está muito mais localizada na educação, especialmente na educação básica que é o que realmente sustenta a vida intelectual de um cidadão ou cidadã. É no nascedouro que um rio começa a delimitar suas margens.

Nossas preocupações devem se voltar mais para a antiquada relação dos modelitos de um capitalismo muito primitivo e que movimenta o mercado do livro no Brasil e no mundo. Especialmente quanto a concentração de lucros, com a sequencial formação de grandes corporações editoriais engolindo a renovação do mercado e, também, a crescente internacionalização de um mercado que cada vez mais é menos brasileiro. No centro do problema está uma lei vigorosa e ultrapassada como a  já citada Lei 8.666 que favorece de forma absurda a concentração de riquezas em todas as áreas e não é diferente no mercado editorial. Não há como não entender que os baixos índices do IDEB (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico) tem tudo a ver com esse debate. Afinal, vivemos em um país que possui menos livrarias que a cidade de Buenos Aires.

Tudo está diretamente ligado e se justifica politicamente diante de uma revelação bombástica da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, coordenada por Galeno Amorim, hoje presidente da Biblioteca Nacional. A chamada classe A, representada pelas maiores fortunas brasileiras, possui o mesmo índice de leitura (enquanto hábito) da classe dos despossuídos de tudo, a classe E. Algum tipo de igualdade, ironicamente, os nossos mais de 300 anos de colônia deveria mesmo ter produzido. Assim, os mais ricos e os mais pobres ostentam os mesmos exatos 3% de leitores. O que nos mostra que a vulnerabilidade intelectual das nossas elites está diretamente relacionada com a vulnerabilidade social da maioria do nosso povo. Talvez aí sim possamos identificar um nível de penúria escandalosa, capaz de chamar a atenção do país.

Publicar tem um sentido muito particular para cada escritor. Para alguns, cada vez mais, tem uma relação direta com os processos de construção cidadã. Algo que, obviamente, não exclui o debate estético. Muito pelo contrário, reforça-o. Afinal, escrever para quê e para quem? A que debate estarão vinculados nossos livros? Aos salões livres de livros? Às “paratizações” da literatura? Ou, quem sabe ao cotidiano das escolas, como acontece em Passo Fundo, na Jornada Nacional de Literatura. Somente não faz sentido resumirmos tudo ao pueril e confuso debate midiático, desprovido de análises mais profundas e que não tem absolutamente alcançado repercussões, exceto quando alguém confunde crítica literária e crítica de arte com a lamentável mania de chafurdar costumes e detalhes da vida alheia. Ou mesmo quando o mofo quer brilhar e perde-se no debate entre a importância da tradição e a importância da modernidade.

Sinto que a poesia brasileira vive um momento bem interessante. Logicamente que não falo em termos de quantidade, mas de qualidade. Joca Reiners Terrón definiu muito bem o nosso momento literário: “É como abrir a tampa de um liquidificador ligado.” Aliás, talvez esta frase possa sintetizar um dos pontos  da nossa reflexão. A literatura brasileira está vivíssima e pulsante. Talvez por isso poucos se arrisquem em definições e os mesmos de sempre achem mais fácil e cômodo desconhecer o presente e ter apenas o passado como referência. Lamentavelmente esta é a lógica da maioria dos nossos melhores centros acadêmicos. Ainda estamos com espaços rarefeitos para a crítica literária que, talvez esta sim, esteja necessitando de oxigênio para não morrer na asfixia e no mofo das idéias fixas. Esta penúria é talvez a que mais preocupa em relação à afirmação da literatura contemporânea porque não existe uma grande literatura sem uma crítica literária consistente, despojada do formol das academias, focada nas diversas leituras que requer uma literatura formulada no século XXI, tal como nos séculos anteriores.

Portanto, estamos diante de uma realidade em movimento, na era das velocidades, buscando a melhor pronúncia para definir esse tempo de reações híbridas aos problemas concretos da nossa sociedade. Problemas que passam pelas necessidades e virulências da poesia brasileira, pela qualidade do ensino, pela afirmação de políticas consistentes de leitura, pela reflexão acerca da concentração e globalização do mercado editorial brasileiro, pela legislação que rege os contratos e as concorrências públicas. Enfim, creio que a nossa penúria real ainda é o que há de precário para que a democracia, ou seja: o vetor da política econômica em todas as áreas, especialmente no caso do livro, da leitura e da literatura.

2 comentários:

Dija disse...

"E por que publicar em tempos de penúria?" Mais uma questão pra o homem da nossa geração. Ainda sou muito alienado dessas questões no sentido de não dar a elas a importância que deveria mas... ao ler seu post dá pra ter a clara consciência do "sempre temos cada vez mais perguntas e menos respostas" que brota aqui e ali. E a Arte vai evoluindo...(se vai melhorando já não posso falar). Interessante como a Arte em geral é taxada de..."inútil, sem valor prático para a sociedade" e tem uma relação de influência direta na questão da educação, da leitura de livros, mundos e sociedades, como ela contribui para um certo melhoramento de alguns aspectos. O dado mais curioso foi o dessa igualdade em um pais tão desigual. "3% de leitores lá em cima e lá embaixo". Tão deprimente quanto um país desse tamanho com menos bibliotecas que uma cidade. O curioso é que a poesia e a Arte em geral sobrevive e ainda se refaz no meio do "liquidificador", esperando alguém tirar a tampa pra saltar fora. O homem virou um espelho: só reflete. Uma pergunta a mais é: quando o espelho vai parar de refletir e fazer a história andar dizendo "tu não és mais a mais bonita, situação do mundo"?

Ceci disse...

Muito boa reflexão! Acabo de ver um artigo que dá o baixo percentual de leitores paraibanos: 4,8 %!!! E pensar que a maioria dos municípios brasileiros nem sonha ter uma biblioteca pública! Socorro, Lau! Continue teimando que precisamos de você e sua arte.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...