por Lau Siqueira
A poesia estebelece laços e nós na vida de um escritor. As distâncias se tornam mínimas e não raras vezes as proximidades afastam certezas. Todavia este não seria este o início de um necessário mergulho no caos das nossas certezas? Há uma desigualdade profunda que nos torna profundamente iguais quando o assunto é poesia e mais ainda quando o fato é a publicação de um livro de poemas. Estamos, pois, diante de mais um silêncio de pedras nesta leitura do livro do paranaense Júlio Almada.
Não é muito diferente para qualquer poeta brasileiro publicar e lançar um livro neste momento de profundo desprezo do mercado editorial pela produção contemporânea. Também precisamos reconhecer que publicar deixou de ser, há muito tempo, algo extraordinário. Cada livro de poemas lançado é uma imensa guerrilha para o autor. Tanto no que se refere ao investimento gráfico quando ao que é mais árduo ainda: o reconhecimento dos pares e de uma crítica literária que, ao contrário da poesia, não se tornou mais intensa com o advento da internet, das redes sociais, da facilidade de publicar sem que se tenha de passar pelos diversos olhares “canônicos” ou caninos. Publicar, pois, não representa mais qualquer tipo de reconhecimento, mas antes de tudo o pódium das nossas guerrilhas pessoais que sempre paga um preço elevado pela nossa permanência na cena literária brasileira.
É neste ambiente que chega o livro “De olho: embriagado” do poeta Julio Almada. Este é o título, também, de um dos 29 poemas que compõe esta coletânea. Certamente que temos aqui um conjunto de experiências trazidas pelo autor que, assim como todos e todas que fazem da palavra uma sangria inevitável, chega em busca da poesia pois entende que a poesia não é um limiar da linguagem, mas um sumidouro de incongruências e incertezas que pode ou não surpreender, pode ou não esvair-se no esquecimento. Ainda assim, acreditamos que todo livro de poemas vale a eternidade de um instante, pelo que exasperou nos suores do autor para uma experimentação estética e, também, de transbordamento no mundo.
Temos aqui um conjunto de versos que vertem na própria razão de revelar o ato pessoano de fingir a dor que deveras sente. É como se o poeta Julio Almada expelisse suas dores em dores e doses que jamais serão propriedades da sua alma. A dor desdenhada no poema (ele sabe disso) não expressa o buraco negro de um tsunami íntimo, nem se revela se não pelo esparso descoforto inevitável do poema enquanto experimentação de linguagens que dialogam com o cotidiano, com as confissões ao mesmo tempo inevitáveis, irrevogáveis e inaceitáveis para a metalurgia da palavra. Este é, sobretudo, um sentimento que perpassa todos os poemas deste livro que agora toma corpo e segue seu destino para muito além do que possa este minguado olhar que aqui deposito.
A poesia tem seus próprios motivos e a cada verso escrito é como houvesse nascido enquanto discurso comum para todos nós, poetas. Tudo é uma questão de comvivência com silêncios arrebatadores que não suprem a algazarra das palavras. São artimanhas íntimas, passagens de uma lírica que transborda no coração enquanto representação do que temos de mais denso em termos de existência e mesmo de confluência humana: “Os sentimentos não são fardos. Pesados e/ pesarosos tornam-se braços e pernas não/ compostos de maneira edificante pela vertiginosa/ manifestação de sentimentos durante uma vida.” O poeta, assim, nos mostra que não segrega os trigos e muito menos se propõe a uma experiência já um tanto surrada de rigores e de sublimação das adagas ensandecidas da vertigem contemporânea.
O poeta aqui não se propõe ao incomum, ao inventivo. Faz, ao contrário, uma inversão para permanecer na identidade da própria pele, do que veste em termos de conjugação poética temporal e estática desse não-lugar onde de alguma forma estamos todos e todas num afogamento de colheitas, numa corredeira de buscas desmesuradas para a menor distância entre a expressão poética e a expressão dos nossos dias. Somos, assim, o mesmo e estapafúrdio esquecimento. Versos que diluímos na vertigem de um olhar sempre muito pessoal sobre as multidões que nos fazem poetas de um futuro que começou no final do século XIX e que constatou o que é experimentar versos sem os falsos pudores de uma horda mais canina que canônica.
O poeta aqui se revela e se rebela. Ele nos traz “Aqueles poemas que se amontavam em versos” para uma consignação de dívidas que sempre serão nossas porque se uma marca revela a nossa geração é exatamente a estratégia das estrelas que somem na noite escura, transgredidas pelas nuvens e por uma Lua que permanece no céu soturno das nossas transpirações. Que seja bem vindo mais reste rebento do poeta Júlio Almada.
Vale do Timbó - Parahyba, 10 de novembro de 2011. Prefácio do livro do poeta paranaense, Júlio Almada: "De olho: embriagado".
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