sábado, 11 de fevereiro de 2012


LIVRO, LEITURA, LITERATURA E CIDADANIA
“A literatura é um dos direitos humanos.” (Antônio Cândido)

por Lau Siqueira
A Cidade das Acácias ficou mais bela depois da semeadura que foi realizada no dia 07 de fevereiro deste ano, na comunidade Tito Silva. A Avenida José Américo de Almeida (nas proximidades da lombada eletrônica) recebeu a Biblioteca Comunitária Antônio Soares de Lima, com financiamento do Fundo Municipal de Cultura – FMC e com o apoio imprescindível, do SINDLIMP – Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Limpeza Urbana de João Pessoa, Movimento de Luta nos Bairros – MLB, Coletivo Olga Benário e outras parcerias buscadas pela associação comunitária do bairro – CEIFA, especialmente através da sua presidente, Rosilene Santana, uma militante da resistência que ainda se respira nos movimentos populares e nos movimentos de mulheres.
Um movimento social capaz de criar uma biblioteca comunitária é um importante contraponto aos mega-eventos - sabidamente as Bienais e Salões do Livro que fomentam a concentração de lucros dentro do mercado do livro, geralmente deixando nada ou muito pouco para as populações locais.  Menos ainda  para os escritores, escritoras e agentes promotores do livro e da leitura. Portanto, cabe aqui uma breve reflexão acerca do que significa hoje o mercado do livro no Brasil para as políticas públicas de leitura. Nosso país é o décimo maior produtor de livros do mundo. O Ministério da Educação é o terceiro maior comprador de livros do mundo. No entanto o mercado do livro está mais neoliberal que nunca. Silenciosamente foi  concentrando sua  imensa lucratividade em conglomerados editoriais cada vez mais concentrados. Sem alarde, foi permitindo a compra de editoras brasileiras tradicionais como a Editora Moderna, por corporações internacionais. Apesar de tudo, parece que não está acontecendo nada. Portanto, a comunidade Tito Silva recebeu no dia 07 de fevereiro a semente de uma pequena revolução.
No debate sobre  livro e leitura no Brasil esse tipo relação precisa ficar muito evidente. Afinal, é como se não estivéssemos cercados de relações perigosas, de lucros para poucos e perdas para muitos. Que interesses movem os mega-eventos promovidos pelos tubarões do livro? Onde se localiza fomento ao mercado local na grande movimentação de recursos públicos destinados para esses eventos? Que espaço esse derrame de recursos tem destinado para a formação de leitores, incentivo à leitura e fomento à literatura brasileira? O que se pode conduzir em termos de protagonismo para a juventude a partir desses investimentos? Ou seja: qual é a contrapartida do mercado do livro diante de lucros tamanhos amparados pelo dinheiro do povo?  Na verdade, além da evasão de divisas, esses shoppings ambulantes em que se transformaram as Bienais e os charmosos Salões do Livro são fatores de uma grande concentração de lucro em quem já demanda do Governo Federal uma situação privilegiada de enriquecimento, com as facilidades da inadequada e ultrapassada lei 8.666 que rege licitações e contratos.
Seriam tantos outros os argumentos para considerarmos o imenso abismo entre os efeitos de uma biblioteca comunitária numa comunidade pobre de João Pessoa e os bilhões investidos pelos governos federal, estaduais e municipais para sustentar a lucratividade de poucos com a compra de livros, em detrimento de políticas públicas ainda inconsistentes para o livro, a literatura e a leitura. Faltam incentivos à criação literária e aos mercados regionais, na mesma proporção. O que se revela quando o debate transborda é uma inexplicável apatia por parte dos seus segmentos, sempre mergulhados nos interesses corporativos. Na verdade há uma imponente covardia por parte de alguns que temem perder espaços em parcas mesas de debates onde os umbigos e algumas serelepes vaidades acadêmicas são o objeto central do que não movimenta absolutamente nada. É como se estivéssemos tratando como sagrada a profanação da nossa cultura e da nossa educação. No caso dos escritores, as bienais não deixam nada além de alguns trocados na conta de umas poucas figuras repetidas que se revezam nesta imensa farsa.  Para as comunidades, não deixam uma única biblioteca comunitária, um único ponto de leitura...

ANTÔNIO SOARES DE LIMA
Você sabe quem foi Antônio Soares de Lima, personalidade que deu nome à Biblioteca Comunitária da comunidade Tito Silva? Antônio Soares de Lima foi um líder comunitário, recentemente falecido, conhecido como Chuá. Letrado nas lutas populares, analfabeto formal, mas jamais um analfabeto político. Chuá demonstrou toda a sua dignidade ao pedir desculpas à comunidade, pouco antes de morrer, por não saber ler e escrever.  Ele achava que por isso não conseguiu trabalhar mais  pela diminuição daquele imenso abismo social estabelecido no lugar onde viveu. Como cidadão e militante, sabia que a exclusão é o que permite que pessoas vulneráveis socialmente sejam usadas pela falta de escrúpulos de alguns políticos, diante das omissões da sociedade. Na verdade, Chuá morreu sem saber que foi um símbolo também da luta pela afirmação da literatura brasileira, pela cidadania plena, da distribuição de renda que no mercado do livro é algo vergonhoso. Sem contar com os prejuízos intelectuais proporcionados pela comercialização em massa de lixo impresso, leituras alienantes que em nada consideram os muitos saberes contidos na boa literatura. Como dizia o francês Roland Barthes, “a literatura contém muitos saberes”. Mas, parece que isso não está posto no debate que o Ministério da Cultura, a Biblioteca Nacional, fundações e secretarias de educação e cultura buscam desenvolver neste momento da história brasileira, onde as dúvidas superam as certezas. Os avanços são mínimos e os investimentos são distorcidos. Investem no mercado do livro, como se fosse investimento na formação de leitores e na literatura. Estamos longe de uma democracia real, embora alguns setores estejam caminhando nesta direção. Precisamos de um país leitor, de um estado e de uma cidade leitora para que possamos nos desculpar com a memória de Chuá.

Um comentário:

Marcantonio disse...

Muito bem notado. Uma iniciativa assim, na raiz de sua motivação, é muito mais relevante para a propagação do ato de ler, sobre aquilo que ele tem de transformador das mentalidades, que todo esse oba-oba e espetacularização em torno das bienais e feiras, de caráter visivelmente mercadológico.

Um abraço.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...