terça-feira, 24 de julho de 2018

COMO ERA DOCE SER RUDE

Lembro que no dia 3 de dezembro de 1977, em frente ao leito de morte do meu velho, abracei minha tia pensando que era a minha mãe. Elas eram muito parecidas. Minha mãe se chamava Maria Joanna. Assim mesmo, com letras repetidas. Minha tia se chamava Egídia. Mas os sobrinhos e sobrinhas, irmãos e as irmãs gostavam de chama-la de Tatá. Tatá era um doce. Uma abelhinha linda que passou pelo mundo. Tinha um filho que morava na Charqueada. Todavia, demonstrava um carinho enorme por mim. Aquele amor foi um aprendizado e eu não sabia. Viver entre aquelas pessoas era um porto seguro. Aprendi a ser carinhoso e respeitoso com meus tios e minhas tias. Fui educado para respeitar os mais velhos. Para me fazer respeitar, também. Era lei lá em casa. Ser acolhido por Tatá, era algo de uma doçura infinita. Uma experiência plena de ternura. Por isso sempre visito Jaguarão,cidade onde nasci e onde conheci minha gente. Tenho uma boa lembrança em cada esquina. Tenho dores, também. Mas a experiência de ser amado é insuperável. Incrível o impulso que dá na vida do sujeito. Essa bagagem eu trago de lá. Quando fui morar em Porto Alegre, passamos a nos ver pouco. Cadas vez menos. Mas, toda vez que eu ia visitar minha mãe em Jaguarão Tatá corria lá em casa e a alegria do encontro era algo imenso em nossas vidas. Tatá me visitava. Gostava de mim. Era daquelas pessoas para se passar uma tarde inteira conversando, sem cansar.
O entardecer nos pampas sempre vinha regado de chimarrão. As pessoas valiam mais que as coisas. Parece que era essa a diferença marcante daquele tempo. Tatá, por exemplo, era boa, terna, coração enorme. Firme nas suas fragilidades. Minhas tias e meus tios eram pessoas limpas e honradas, sorriso franco. Tive o privilégio de ver isso e trazer para a minha vida essa leitura. Minha tia "Carioca" (apelido) tinha o sorriso mais bonito que já vi. Pura expressão de alegria. Muita ternura no gesto e no olhar. O tempo foi engolindo essas imagens, mas a lembrança foi sendo estruturada na memória dos meus afetos. Foi assim que comecei a costurar minha vida para cobrir o meu tempo na Terra. Tatá morreu. Meus tios e tias morreram todos. Maternos e paternos. Minha mãe e meu pai também se foram. Até minha irmã, tão precocemente. A morte não manda recado. Todavia, fui me encharcando de vida. Sem medo de me afogar. Seja no raso ou no fundo. Mergulhar é saber que na verdade a vida é um rio passando. No raso há apenas uma vitrine.Espelho d'água que esconde os peixes e as pedras. Esconde até a água, às vezes. A água de um rio cada vez mais longe da nascente. O tempo é um rio cada vez mais longe...

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