Devemos separar cuidadosamente (para não segregar) a cultura do povo dessa cultura forjada para o povo. São coisas bem distintas. O que chamam de povo é sempre multidão. A noção de povo, no geral, é extremamente uniformizadora. É a negação do fator humano. A negação da diversidade humana. São milhões. Milhões de pessoas. Milhões de dólares. O gosto popular só existe quando a escolha é um direito. Não é o nosso caso.
sábado, 30 de dezembro de 2017
Rede social parece um lugar de gente perfeita. Claro, só parece. Eu não queria estar na pele dos que nunca se enganam. Ser infalível deve ser algo de uma infelicidade enorme. Um peso infinito nos ombros. Além de ser chato, inodoro e incolor. Não quero essa obrigação de ser exato. O erro nos humaniza. Aprender é a maior expressão de dignidade. Reconhecer um engano é saudável. Tripudiar sobre os erros alheios é uma doença amarga. Só me reconheço pelos meus atropelos e meus poucos acertos, na verdade, são fruto de muitos erros. Viver é experimentar. A incerteza nos aguarda na primeira esquina. O mais grave é não nos reconhecermos como iguais. Mais grave ainda é supor superioridade onde ela não existe.
"ESTE SILÊNCIO TODO ME ATORDOA"
O ano de 2017 consolidou um cenário horroroso. Lembro agora dos que ironizaram o golpe. (Estão calados. Sumiram até mesmo das redes sociais) O mais trágico é que multidões acompanharam uma quadrilha que dizia "combater a corrupção". Aliás, "com o Supremo, com tudo". Além dos direitos sociais o que está indo para o buraco de forma espetacular é a soberania nacional. Que ironia, algo tão defendido pelos militares em outros tempos. Por exemplo: uma vez consumada a venda da Embraer para a Boing (estatal americana) e a MP que permite a venda de terras rurais a estrangeiros (inclusive de assentamento), estará consolidada a nossa condição de colônia.
O ano de 2018 se mostra muito incerto. Parece que estamos fazendo de conta que basta eleger Lula para desfazer o mal feito. Outros acham que basta eleger um fascista, criminoso. Terminamos o ano sem reação. Esperando que tudo se resolva numa eleição. O crime organizado está mais poderoso que nunca. Está no poder e podendo muito. As explosões de caixas eletrônicos no país inteiro (bilhões e bilhôes) se multiplicam, sem que ninguém seja preso. Os bancos não perdem, pois repõe as perdas via seguro. A população não reclama, pois mais grave é um moleque levando o celular da boyzada. Enfim... Sejamos otimistas, mas não alienados.
Os cartesianos que me perdoem. Nada precisa ser exato. As coisas não precisam dar certo. O que é dar certo? As vezes a exatidão consolida uma algema. Quando nos entregamos com muito amor ao processo, o resultado já não importa. Jamais irá superar o aprendizado. Tem lugar que é só caminho. Não há ponto de chegada. A vida tem o tempo de uma ampulheta. O silêncio acolhe cada grão que passa e não volta mais.
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Ebulição no mundo editorial.
Por Lau Siqueira
Não quero exagerar, mas
parece que do início do século XX pra cá, vivenciamos alguns momentos de
ebulição na literatura. Primeiro com a Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, a
Semana extrapolou. Trabalhou a literatura, mas também a música, a escultura, a
pintura. As rupturas de 22 ainda hoje influenciam e determinam os passos da
literatura e de outras artes ditas brasileiras. Podemos considerar, também, que
a Poesia Concreta impactou por ser o único movimento de vanguarda genuinamente
brasileiro. Também continua determinando os rumos a Poesia principalmente, mas
também de outras artes no Brasil e em outros países.
Outubro de 2017 também
deve entrar para o calendário das grandes transformações. O Mulherio das
Letras, acontecido na Paraíba, trouxe para o debate as inquietações e as zonas
de sombra do universo editorial. Sem aprofundar o debate estético (não era esse
o objetivo), reverberou as diferenças e as potencialidades do universo feminino
na literatura. O Mulherio teve uma característica fantástica. Mostrou um
altíssimo poder de mobilização e trouxe para a cena, inclusive, a saudável certeza
que nem tudo é ou deve ser consenso. Portanto, me refiro aos três momentos de
forte impacto na história da literatura brasileira. Logicamente, sem a
insensatez das comparações.
Dizem que a segunda
edição deverá acontecer em Guarujá-SP. Espero que o triplex da Odebrecht seja cedido
para abrigar algumas visitantes. Certamente outros lugares também haverão de
querer um evento de tamanha magnitude. Muitas movimentações em torno da escrita
feminina e feminista devem abrir espaços. No entanto, o Mulherio das Letras
enquanto movimento das mulheres escritoras deste país, aconteceu aqui na Paraíba.
No máximo, teremos eventos surgidos em consequência desse movimento. Tudo será
consequência do que aconteceu por aqui. Certamente que as coisas não deverão
permanecer no mesmo lugar. O grito das mulheres ecoou e revelou também suas
mazelas.
O fato é que o mercado
editorial ficou de olho. O Brasil que escreve e que lê ficou de olho. Os homens
que escrevem e leem ficaram de orelha em pé. Foram dias de intensos debates e de absoluta
autonomia na condução dos trabalhos. Foi, sem dúvidas, o maior movimento de
mulheres escritoras da história deste país. A repercussão certamente
atravessará fronteiras, pois num tempo não muito distante, as mulheres
precisavam publicar seus livros com pseudônimos masculinos para a plena
aceitação do mercado. Dificilmente se repetirá com a mesma intensidade. Dificilmente
não terá fragmentações, mas certamente cumpriu o seu papel ao chamar a atenção
para as inocências nada inocentes da literatura. O racismo, o machismo, a
homofobia. Expressões da existência nada ficcional das esquinas, ainda domina a
cena.
No momento em que o
Brasil e o mundo atravessam um momento nebuloso, o contraponto da escuta e da
ocupação dos espaços faz uma diferença enorme. Mesmo que em alguns momentos
tudo se perca nas trações do imaginário ou das inquietações extraliterárias. A
sensação que ficou é que o objetivo das organizadoras foi atingido. O do movimento
Mulherio das Letras me pareceu bastante anárquico. Recusando um comando formal,
apesar de tecer com clareza os fios condutores para que o debate se tornasse fluente
como um rio. Todavia, duas escritoras saem da cena do Mulherio como
protagonistas por diferentes motivos. São elas as escritoras Conceição Evaristo
e Maria Valéria Rezende.
Agora é aguardar as
movimentações que naturalmente deverão acontecer. A repercussão foi imensa. Quiçá,
para além-fronteiras. Nada, certamente, voltará ao seu lugar. Os debates mais
ou menos acirrados encontrarão seus espaços de expansão. A literatura escrita
pelas mulheres haverá de trazer novos ventos. Ninguém escapará deste vendaval.
Homens, mulheres, leitores, leitoras, escritores, escritoras, formadores,
formadoras. As expectativas são muitas. Mas, não tenho dúvidas que o impacto
maior será no mercado editorial. Como? Não sei ainda. A visibilidade de algumas
mulheres puxará pelos pés a invisibilidade de muitos homens. O movimento Mulherio
das Letras não foi excludente. Foi apenas mais um passo mais largo de uma longa
caminhada. Um misto de generosidade, militância e utopia.
domingo, 8 de outubro de 2017
A criminalização da arte e o silêncio dos inocentes.
por Lau Siqueira
Recentemente duas polêmicas ocuparam as redes sociais no palco sombrio da intolerância e na aldeia das informações distorcidas. Falo, inicialmente, da exposição “Queermuseu”, no Centro Cultural Santander, em Porto Alegre. As temáticas LGBT atiçaram o ódio de elementos do controverso MBL – Movimento Brasil Livre –, agrupamento de militantes políticos de extrema direita que tem se notabilizado pela insensatez e virulência. Mesmo liberado pelo Ministério Público Federal, o banco decidiu encerrar a exposição. Entendo que tanto o ato do MBL quanto o banco infringiram a lei, uma vez que a homofobia é crime. Foram dois atos inaceitavelmente homofóbicos. Ironicamente, o Santander possui um dos maiores acervos de artes plásticas do país. Certamente com as mais diversas temáticas. Esta foi só uma demonstração do obscurantismo e fanatismo que alguns setores tentam impor ao Brasil. Aliás, já com resultados lamentáveis. Por exemplo, a agressão covarde à mãe que abraçava a filha num shopping de Brasília. O agressor supunha ser lesbianismo uma expressão de amor materno. Vejam a que ponto chegamos!
Recentemente duas polêmicas ocuparam as redes sociais no palco sombrio da intolerância e na aldeia das informações distorcidas. Falo, inicialmente, da exposição “Queermuseu”, no Centro Cultural Santander, em Porto Alegre. As temáticas LGBT atiçaram o ódio de elementos do controverso MBL – Movimento Brasil Livre –, agrupamento de militantes políticos de extrema direita que tem se notabilizado pela insensatez e virulência. Mesmo liberado pelo Ministério Público Federal, o banco decidiu encerrar a exposição. Entendo que tanto o ato do MBL quanto o banco infringiram a lei, uma vez que a homofobia é crime. Foram dois atos inaceitavelmente homofóbicos. Ironicamente, o Santander possui um dos maiores acervos de artes plásticas do país. Certamente com as mais diversas temáticas. Esta foi só uma demonstração do obscurantismo e fanatismo que alguns setores tentam impor ao Brasil. Aliás, já com resultados lamentáveis. Por exemplo, a agressão covarde à mãe que abraçava a filha num shopping de Brasília. O agressor supunha ser lesbianismo uma expressão de amor materno. Vejam a que ponto chegamos!
No caso do MAM – Museu de
Arte Moderna de São Paulo, ainda é mais grave. Tentaram tratar o fato como
“abuso sexual de criança e adolescente”. Políticos que não tem o menor respeito
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, passaram a defender o ECA para
criminalizar a exposição. Aliás, uma linda cortina de fumaça para esconder um
pouco a pornografia moral que cobre o Palácio do Planalto e a maioria dos
demais poderes onde estão inseridos. Principalmente o Senado e a Câmara Federal
que, com raras e preciosas exceções, envergonham o país.
Vejamos
o que diz a lei ao pé da letra. Segundo o ECA que em seu artigo 241, “vender ou
expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” é crime. A pena de
reclusão é de quatro a oito anos, mais multa. Muito claramente o fato não pode
ser enquadrado neste artigo. Não houve qualquer ação de pornografia no filme
divulgado. Já no artigo 232 o ECA é muito claro e diz que: submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento é crime.
Aí podemos começar a pensar. Houve sim um ato criminoso de quem se apropriou
das imagens para divulga-las indevidamente. Por exemplo, o deputado
nazifascista Jair Bolsonaro. Ele não teve o cuidado sequer de cobrir o rosto da
criança na sua divulgação. Portanto tentam inverter o sentido da lei para fugir
dela. Até porque isso dá cadeia. De seis meses a um ano de prisão.
Mas, vejamos
o que diz o nosso Código Penal que,
aliás, é de 1940. O artigo 218-A, por exemplo, cuja pena de reclusão pode ir de
dois a quatro anos, afirma que “praticar, na presença de alguém menor de 14
(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato
libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem” é crime. Muito
objetivamente, não foi o caso. E o filme, este sim, criminoso, mostra isso de
forma muito objetiva. Mas, vamos para o artigo 234 que diz exatamente o
seguinte: “fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim
de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho,
pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno” é crime. Diz ainda que realizar representação
teatral ou exibição cinematográfica de caráter obsceno é crime. Nada disso
estava configurado na exposição. Não posso dizer o mesmo da atuação
cinematográfica do aliado de Bolsonaro e demais golpistas, o grotesco Alexandre
Frota.
O nu na
história da arte que algumas pessoas estão descobrindo agora, vem de pelo menos
20 mil anos. Por exemplo, com a Vênus de Willendorf. Porém, nada é de graça. A
tentativa de criminalizar a arte é apenas o começo da criminalização das
liberdades individuais e coletivas. A arte livre sempre foi um símbolo de
democracia. No entanto, estamos convivendo com a proliferação estimulada de
fanáticos e lunáticos querendo mostrar força política. Não há inocência nisso.
Caso contrário, teria havido por parte desses senhores e senhoras cheios de
moralismo e ódio, um esforço máximo para elucidar aquele caso de tentativa de
estupro por parte do pastor Marcos Feliciano. Mas, ao contrário. De uma hora
para a outra, todo mundo virou “crítico de arte” e o caso Feliciano foi abafado.
Políticos que deveriam estar preocupados na elucidação de casos concretos de
corrupção encontraram uma forma muito oportunista de desviar o assunto.
Pornografia
de verdade é a matança de jovens negros que esses mesmo senhores apoiam
defendendo a pena de morte e criminalizando a pobreza. Anos atrás estive no MAM
visitando uma belíssima exposição de Volpi. Soube recentemente de uma petição
assinada por mais de oitenta mil pessoas que, provavelmente nunca pisaram lá,
solicitando o fechamento do museu. Já temos dificuldades enormes para
solidificar a presença da arte na composição da cultura brasileira, tão diversa
e tão marginalizada. Imaginem conviver com verdadeiros talibãs, xiitas,
portadores da ignorância, do preconceito e da falta de respeito pela produção
artística brasileira. Inaceitável engolirmos calados o que está posto. Mais
respeito pela arte e pelos artistas brasileiros. Para concluir, indico a
leitura do artigo de André karam
Trindade: “a criminalização da arte e a recolonização do direito pela moral”.
Está on line. Há reflexão e há resposta sobre tudo isso. Por exemplo, 115
artistas ficaram nus em Brasília (foto) em defesa do performer preso por nudez
no MAM.
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