por Lau Siqueira
Um vôo sobre a condição humana. O enfrentamento do homem com a fragilidade das suas certezas. A esperança contida na ansiedade do artista em sua relação direta com o público. O povo feito protagonista no cenário das ruas. A realidade mordendo os calcanhares dos nossos sonhos. Uma porção de frases semelhantes partiriam de uma leitura muito pessoal do monólogo Esparrela, escrito, dirigido e encenado por um artista que selou a própria existência, em todos os sentidos, com os signos do teatro.
Para compor esse texto, Fernando Teixeira foi buscar uma linguagem formulada a partir da relação direta do ser humano consigo mesmo. E é como se tivesse estabelecido um pacto com a universalidade da alma sertaneja. Tudo ambientado num cenário de aridez utópica. Um cenário que se compõe a partir dos mitos diluídos pela lucidez e pela desesperança. Um cenário sutilmente estabelecido a partir do imaginário do público. Tudo isso ocorre numa relação direta do ator com o ato supremo de representar. Na verdade, uma aula de teatro.
Fernando dá uma expressividade aos personagens ocultos deste monólogo, que provoca reações imediatas da platéia. A realidade cênica fica, então, transposta pela extensão plástica do texto. Diálogos e narrativas muito bem elaborados, revelando que a ousadia de um artista não está, exatamente, num hermetismo revestido com falsas miçangas. Não está em erudições postiças. Mas, na capacidade de conturbar-se diante do silêncio e das vozes dissonantes de uma cultura de supressões e desejos.
Tudo encanta em Esparrela. Principalmente a certeza do melhor teatro. Tão perto, tão disponível. Um teatro que realmente interessa. O que parte de uma integralidade absoluta e se esparrama pela eternidade difusa do instante. É quando o artista suprime de si qualquer distância entre a técnica e o instinto. Fernando Teixeira nos mostra que é preciso e necessário reinventar-se o tempo todo. Transgredir-se, eu diria, em uma palavra. E faz da sua arte uma especiaria estética de contenções e erupções colhidas no aprendizado do mundo. Em uma leitura kafkiana da irrealidade pulsante que atravessa os tempos e se estabelece enquanto fluência crítica na poética do cotidiano.
O salto sobre si mesmo, por parte de um artista de trajetória brilhante. O enfrentamento com suas próprias coragens e medos. Parece-me que nesta montagem de Esparrela, Fernando Teixeira construiu a concisão necessária, a condensação da sua própria história nos palcos do mundo. E joga tudo em suor e signo. Virtudes que constituem a magia e a emoção do teatro. Ele escreveu, ele dirige, ele atua. Se impondo absoluto nesta nova montagem de um uma espetáculo que espeta a nossa inquietação diante de um mundo de convulsões estabelecidas.
Uma comemoração dos quarenta anos do Grupo de teatro Bigorna onde quem recebe um grande presente é exatamente o público. Primeiro e muito especialmente pelo privilégio de contar com um teatro de altíssima qualidade estabelecido num mesmo sujeito, numa mesma circunstância. Depois, pela ousada e muito bem elaborada descoberta de um novo e absoluto espaço para o teatro paraibano, num lugar que precisa ser descoberto pela cidade e pela própria classe teatral. Tudo isso é Esparrela. Na verdade, uma arapuca necessária aos nossos sentidos.
Visite o blog do espetáculo: www.esparrela-esparrela.blogspot.com
4 comentários:
Estive por aqui me informando um pouco! Abraço Ademar!!!
Oi Lau,
"Si queira" optar pela pressa até
entendo.Os dias correm assim e o
poeta caminha num vôo.Se quiseres se espraiar nos ares do pensamento,
nas graças do sentimento,chegue mais,chegue outra vez.Venha sem pressa.
Obrigada pela visita "primo".
Bjs,
Cris
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