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Lau Siqueira*
Algumas questões me ocorreram após participar de uma mesa de debates no Tributo ao maestro Vilô, esta semana, no SESC. Na mesma mesa, a pesquisadora Ignez Ayala e Pedro Júnior, representando a Federação Carnavalesca. Em pauta a identidade cultural do carnaval da capital da Paraíba e a sua relação com o poder público. Questões de importância fundamental foram colocadas. Espero, possam servir para subsidiar um debate mais qualificado e aprofundado acerca da consolidação das políticas públicas para a cultura na cidade. Muito especialmente para as tradições e as modernidades que cercam o espírito carnavalesco.
O debate gerado em torno das três palestras proferidas pode-se dizer, justificou plenamente a nossa participação em um evento que tratava exatamente da preservação da memória de um personagem que é determinante para o estabelecimento de uma identidade para o nosso carnaval. Falamos do maestro Vilô! Não foram poucos os depoimentos que, no debate, fizeram questão de testemunhar essa relação direta do maestro com a raiz do carnaval da cidade. Algo que o imortaliza, indubitavelmente.
Algumas questões levantadas me parecem bem pertinentes. Por exemplo, a relação existente entre a “ordem” e a organização do carnaval. Leia-se como “ordem”, o poder de intervenção do poder público aliado aos interesses das organizações carnavalescas que, formal ou informalmente constituídas, levam as suas representações de cultura comunitária, com viés popular, para a avenida Duarte da Silveira todo ano. Uma ação, aliás, que transforma o carnaval não em uma festa popular, mas em um espetáculo popular confinado por esse ordenamento na avenida Duarte da Silveira.
O debate teve um poder imenso de nos conceder a possibilidade de, através do diálogo cordial, não deixar de ser contundente. Questões centrais do carnaval estiveram no centro do debate. Tais como a identidade cultural e a relação das agremiações carnavalescas e suas proximidades com os interesses partidários. Uma coisa formulada diretamente ou intermediada pelo poder público. Convenhamos, uma relação que vinha sendo historicamente entorpecida pela equação eleitoral estabelecida no jogo de poder, dentro e fora das agremiações. Uma questão que, diga-se de passagem, criou tamanha relevância na discussão do carnaval que até mesmo a captação de recursos, segundo pensam os carnavalescos, deve necessariamente passar pela batuta imantada do poder público. Não se fala em empoderamento das agremiações. Mesmo com editais pipocando em todo canto. Ou seja, as direções precisam abandonar o abandono e determinar o sopro dos ventos que trarão novos fôlegos para o carnaval. Isso lembra um pouco uma frase pronta que ouvi dia desses: “A culpa é minha! Eu coloco ela em quem eu quiser.”
Na verdade a discussão sobre carnaval ou qualquer outro segmento cultural não deveria, absolutamente, passar por ingerências do poder público. Ainda que não existam apropriações indébitas dos louros de um financiamento público. Seja pelo desvio tolerado e não comprovado, em alguns casos, referentes às subvenções. Seja pela intolerável ação do poder político se apropriando indevidamente de bens materiais e imateriais de caráter eminentemente público. As questões em pauta aquecem o debate e retiram de cena aqueles que transitam na injúria e no infortúnio da mentira como formas de perenidade nos mais diversos nichos da cadeia de interesses que envolve o poder político e econômico. Que fique entendido que poder político e poder econômico nem sempre possuem interesses compatíveis.
O que se coloca em questão é a necessidade ou não de confinamento do carnaval. Seja numa avenida e dentro de regras pré-estabelecidas para o que é, na verdade, um concurso de Ursos, Blocos, ;Escolas de Samba, Clubes de Frevo e Tribos Indígenas, entre outras manifestações de menor expressão. A necessidade de fazer com que sobreviva a espontaneidade popular do carnaval, com o desordenamento sendo, logicamente, compreendido por todos os atores envolvidos, sejam eles instituições ou pessoas.
O olhar corporativista, muitas vezes, afasta o carnaval do que seria talvez a sua melhor solução. Falo da convivência com outros fatores determinantes da cultura da cidade e a compreensão da diversidade. Esta foi a sustentação, por exemplo, de Beto do Bandeirantes da Torre que ressaltou como avanço o fato do ex-prefeito de Sousa, Salomão Gadelha ter concedido uma subvenção de R$ 10 mil às agremiações, deixando todas as demais expressões culturais da cidade sem qualquer perspectiva orçamentária no resto do ano. A relação não pode ser esta. Os recursos públicos são raros e finitos. Penso que o carnaval, para suas soluções deve abandonar o ufanismo de se considerar maior do que realmente é. O carnaval deve ter clara a sua identidade para poder medir o seu próprio valor diante das outras expressões que, naturalmente, habitam os tempos.
Nos referimos também ao Folia de Rua e sua identidade diluída. Da necessidade ou não de financiar blocos que guardam em si um anseio micaroanesco, apresentando foliões ensacados em abadas ou camisetas, guardados por cordas limitadoras. O que é, no mínimo, um estranho uso privado do espaço público. Afinal, eles também fazem parte das reivindicações da Associação Folia de Rua. Também veio à tona a necessidade ou não de intervenção do poder público, ordenando comportamentos, seja para impedir que blocos infantis como o Muriçoquinhas volte a tocar absurdos como “Beber Cair Levantar” ou que o último trio do Muriçocas entre na avenida tocando absurdos como “Eu gosto é de putaria”. Qual é o custo disso tudo? Qual o limite da liberdade de escolha? De quem é a responsabilidade de estabelecer o limite? Nos casos acima, devo reconhecer que nos faltou a busca pelo acordo prévio.
Vimos ainda que as distâncias entre o poder público e a relação política com as agremiações sofria de obscuridades que, por exemplo, nunca deixavam claro quanto cada agremiação recebia. Havia uma injustificável falta de transparência e, certamente, alguns favorecimentos absurdamente indevidos. Lembrei por ocasião do debate, de quando em uma negociação difícil em janeiro de 2005, quando as agremiações se negavam a receber apenas R$ 2.000,00 e o representante da Escola de Samba Mirassol levantou-se dizendo que aceitaria porque no ano de 2004, havia recebido apenas R$ 300,00. Como assim?
Em última análise, esperamos ter contribuído com algo positivo para o futuro de um carnaval que precisa, sobretudo, despir-se da própria hipocrisia e dos “protecionismos” predadores dos interesses coletivos e identitários. Louvo o professor Marcos Ayala defendendo a liberalização das expressões culturais do carnaval. Afinal, o carnaval é uma festa popular e deve mesmo ser feita e dirigida pelo povo. Ano passado, no período carnavalesco, antes do desfile na Duarte da Silveira, fui buscar minha filha na Semana da Nova Consciência, em Campina Grande. Na passagem por Cajá, vi que brincantes de um Boi atravessavam a BR, rumo aos campos libertos dos apelo midiáticos. Pensei, então, acerca do que poderia ainda vir a ser o nosso carnaval. No quanto, talvez, ainda houvesse que se revelar nesta importante festa popular.
Reconheço que entre erros e acertos, avançamos bastante em relação ao que era, na verdade, um encruado caldo de batatas, cheio de elementos estranhos ao que verte da melhor verve do nosso povo brasileiro. Reconheço, principalmente, que muito ainda temos que avançar. Afinal, estamos tratando de cultura numa terra onde grande parte da população vive numa total vulnerabilidade social, excluída historicamente dos processos de desenvolvimento econômico, social e político. Uma exclusão que revela seus poros e a pulsação da resistência nas expressões mais autênticas da cultura popular.
Axé, Balula!
* Dedico esse texto ao mestre João Balula, que me ensinou o pouco que sei sobre o Carnaval de João Pessoa.
Lau Siqueira*
Algumas questões me ocorreram após participar de uma mesa de debates no Tributo ao maestro Vilô, esta semana, no SESC. Na mesma mesa, a pesquisadora Ignez Ayala e Pedro Júnior, representando a Federação Carnavalesca. Em pauta a identidade cultural do carnaval da capital da Paraíba e a sua relação com o poder público. Questões de importância fundamental foram colocadas. Espero, possam servir para subsidiar um debate mais qualificado e aprofundado acerca da consolidação das políticas públicas para a cultura na cidade. Muito especialmente para as tradições e as modernidades que cercam o espírito carnavalesco.
O debate gerado em torno das três palestras proferidas pode-se dizer, justificou plenamente a nossa participação em um evento que tratava exatamente da preservação da memória de um personagem que é determinante para o estabelecimento de uma identidade para o nosso carnaval. Falamos do maestro Vilô! Não foram poucos os depoimentos que, no debate, fizeram questão de testemunhar essa relação direta do maestro com a raiz do carnaval da cidade. Algo que o imortaliza, indubitavelmente.
Algumas questões levantadas me parecem bem pertinentes. Por exemplo, a relação existente entre a “ordem” e a organização do carnaval. Leia-se como “ordem”, o poder de intervenção do poder público aliado aos interesses das organizações carnavalescas que, formal ou informalmente constituídas, levam as suas representações de cultura comunitária, com viés popular, para a avenida Duarte da Silveira todo ano. Uma ação, aliás, que transforma o carnaval não em uma festa popular, mas em um espetáculo popular confinado por esse ordenamento na avenida Duarte da Silveira.
O debate teve um poder imenso de nos conceder a possibilidade de, através do diálogo cordial, não deixar de ser contundente. Questões centrais do carnaval estiveram no centro do debate. Tais como a identidade cultural e a relação das agremiações carnavalescas e suas proximidades com os interesses partidários. Uma coisa formulada diretamente ou intermediada pelo poder público. Convenhamos, uma relação que vinha sendo historicamente entorpecida pela equação eleitoral estabelecida no jogo de poder, dentro e fora das agremiações. Uma questão que, diga-se de passagem, criou tamanha relevância na discussão do carnaval que até mesmo a captação de recursos, segundo pensam os carnavalescos, deve necessariamente passar pela batuta imantada do poder público. Não se fala em empoderamento das agremiações. Mesmo com editais pipocando em todo canto. Ou seja, as direções precisam abandonar o abandono e determinar o sopro dos ventos que trarão novos fôlegos para o carnaval. Isso lembra um pouco uma frase pronta que ouvi dia desses: “A culpa é minha! Eu coloco ela em quem eu quiser.”
Na verdade a discussão sobre carnaval ou qualquer outro segmento cultural não deveria, absolutamente, passar por ingerências do poder público. Ainda que não existam apropriações indébitas dos louros de um financiamento público. Seja pelo desvio tolerado e não comprovado, em alguns casos, referentes às subvenções. Seja pela intolerável ação do poder político se apropriando indevidamente de bens materiais e imateriais de caráter eminentemente público. As questões em pauta aquecem o debate e retiram de cena aqueles que transitam na injúria e no infortúnio da mentira como formas de perenidade nos mais diversos nichos da cadeia de interesses que envolve o poder político e econômico. Que fique entendido que poder político e poder econômico nem sempre possuem interesses compatíveis.
O que se coloca em questão é a necessidade ou não de confinamento do carnaval. Seja numa avenida e dentro de regras pré-estabelecidas para o que é, na verdade, um concurso de Ursos, Blocos, ;Escolas de Samba, Clubes de Frevo e Tribos Indígenas, entre outras manifestações de menor expressão. A necessidade de fazer com que sobreviva a espontaneidade popular do carnaval, com o desordenamento sendo, logicamente, compreendido por todos os atores envolvidos, sejam eles instituições ou pessoas.
O olhar corporativista, muitas vezes, afasta o carnaval do que seria talvez a sua melhor solução. Falo da convivência com outros fatores determinantes da cultura da cidade e a compreensão da diversidade. Esta foi a sustentação, por exemplo, de Beto do Bandeirantes da Torre que ressaltou como avanço o fato do ex-prefeito de Sousa, Salomão Gadelha ter concedido uma subvenção de R$ 10 mil às agremiações, deixando todas as demais expressões culturais da cidade sem qualquer perspectiva orçamentária no resto do ano. A relação não pode ser esta. Os recursos públicos são raros e finitos. Penso que o carnaval, para suas soluções deve abandonar o ufanismo de se considerar maior do que realmente é. O carnaval deve ter clara a sua identidade para poder medir o seu próprio valor diante das outras expressões que, naturalmente, habitam os tempos.
Nos referimos também ao Folia de Rua e sua identidade diluída. Da necessidade ou não de financiar blocos que guardam em si um anseio micaroanesco, apresentando foliões ensacados em abadas ou camisetas, guardados por cordas limitadoras. O que é, no mínimo, um estranho uso privado do espaço público. Afinal, eles também fazem parte das reivindicações da Associação Folia de Rua. Também veio à tona a necessidade ou não de intervenção do poder público, ordenando comportamentos, seja para impedir que blocos infantis como o Muriçoquinhas volte a tocar absurdos como “Beber Cair Levantar” ou que o último trio do Muriçocas entre na avenida tocando absurdos como “Eu gosto é de putaria”. Qual é o custo disso tudo? Qual o limite da liberdade de escolha? De quem é a responsabilidade de estabelecer o limite? Nos casos acima, devo reconhecer que nos faltou a busca pelo acordo prévio.
Vimos ainda que as distâncias entre o poder público e a relação política com as agremiações sofria de obscuridades que, por exemplo, nunca deixavam claro quanto cada agremiação recebia. Havia uma injustificável falta de transparência e, certamente, alguns favorecimentos absurdamente indevidos. Lembrei por ocasião do debate, de quando em uma negociação difícil em janeiro de 2005, quando as agremiações se negavam a receber apenas R$ 2.000,00 e o representante da Escola de Samba Mirassol levantou-se dizendo que aceitaria porque no ano de 2004, havia recebido apenas R$ 300,00. Como assim?
Em última análise, esperamos ter contribuído com algo positivo para o futuro de um carnaval que precisa, sobretudo, despir-se da própria hipocrisia e dos “protecionismos” predadores dos interesses coletivos e identitários. Louvo o professor Marcos Ayala defendendo a liberalização das expressões culturais do carnaval. Afinal, o carnaval é uma festa popular e deve mesmo ser feita e dirigida pelo povo. Ano passado, no período carnavalesco, antes do desfile na Duarte da Silveira, fui buscar minha filha na Semana da Nova Consciência, em Campina Grande. Na passagem por Cajá, vi que brincantes de um Boi atravessavam a BR, rumo aos campos libertos dos apelo midiáticos. Pensei, então, acerca do que poderia ainda vir a ser o nosso carnaval. No quanto, talvez, ainda houvesse que se revelar nesta importante festa popular.
Reconheço que entre erros e acertos, avançamos bastante em relação ao que era, na verdade, um encruado caldo de batatas, cheio de elementos estranhos ao que verte da melhor verve do nosso povo brasileiro. Reconheço, principalmente, que muito ainda temos que avançar. Afinal, estamos tratando de cultura numa terra onde grande parte da população vive numa total vulnerabilidade social, excluída historicamente dos processos de desenvolvimento econômico, social e político. Uma exclusão que revela seus poros e a pulsação da resistência nas expressões mais autênticas da cultura popular.
Axé, Balula!
* Dedico esse texto ao mestre João Balula, que me ensinou o pouco que sei sobre o Carnaval de João Pessoa.
Um comentário:
Amigo Lau, muito bom! Gostaria muito de ter participado dessa avaliação do carnaval de joão pessoa, a propósito das homenagens ao maestro Vilô!
Fico pensando porque o carnaval de Pernambuco é tão forte e rico na amostragem estética de suas agremiações populares, de todas as localidades do estado, sendo por isso mesmo, historicamente, um dos melhores carnavais do país...considerando que, inclusive, as rádios são motivadas (?) a tocar a música histórica e atual de seus músicos,cantores e compositores, para que a relação criativa e política do carnaval não se dê apenas a nível institucional.
Certamente que joão pessoa um dia sairá do atraso e poderá, enfim, reviver seus carnavais de bairros, fruto do trabalho das famílias que o organizavam para deleite de toda a comunidade. Eu sou desse tempo.
Acho inclusive que deveríamos orquestrar uma provocação assim:um "Encontro de Carnavalescos Paraibanos e Pernambucanos" para um olho a olho mais político, um mano-a-mano de melhor aprendizado dessas tecnologias aprendidas ao longo das décadas. Imagino que seja possível a abertura de um diálogo interessante entre a Fundarpe e a Funjope...um encontro de secretários de cultura do nordeste, ou algo assim, se é que isso já não aconteceu...para que se pense algumas ações conjuntas...
Enfim, ir além do umbigo. Será que é possível isso?
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