Lau Siqueira
Não é por acaso que a poesia brasileira vem conquistando - cada vez mais - leitores e leitoras. Na mesma proporção, seguramente, vai suscitando espaços respeitáveis no mercado do livro. Este é um fenômeno que se faz sentir de forma acentuada a partir da segunda metade dos anos 90. Entrementes, não é um fenômeno brasileiro. No mundo inteiro a internet passou a exercer um papel determinante na difusão da poesia. Mas, não apenas isso. Sem romper com a necessidade precisa dos clássicos, a poesia contemporânea passou a se alimentar dela mesma. Talvez esta seja a melhor tatuagem de um tempo de contrapontos bravios quanto aos conformismos decadentes. Verdadeiras porradas no baixo-ventre dos eunucos saciados, fiéis devotados aos cleros e reinados da literatura e, principalmente, da ausência de literatura.
Foi nesse contexto que o Brasil descobriu Valéria Tarelho. Uma escritora que traduz e ao mesmo tempo constrói sua artesania, na multiplicidade das suas leituras. Da mais plena percepção dos trovadores medievais, dos simbolistas, dos barroquistas, dos concretistas... aos poetas marginais de poesia sem pele. É como se estivesse reafirmando Jorge Luiz Borges: “todas as teorias poéticas são meras ferramentas para a construção do poema”. Uma poeta que estréia em livro com uma poesia que é pura pulsação. Seja de linguagem ou da existência. Uma poesia que soube construir seus próprios caminhos sentenciando-se dentro de um rigor que se traduz num jogral de iluminuras. Percorrendo de Rimbaud à Rodrigo de Sousa Leão, de Kaváfis à Márcia Maia... Por isso estréia com substância e ousadia. Questões que se interpenetram na abordagem de temas resgatados a partir de um mergulho profundo no raso da condição humana. Um foco indissociável cravado no universo da alma fêmea. Uma poesia radicalmente mulher. É o cotidiano que emerge com sua sensualidade, suas opressões, suas desditas e, sobretudo, com suas linguagens de eternidades construídas na perenidade do acaso. Valores tão fundamentais à metalurgia do poema.
Em uma das suas últimas entrevistas, Haroldo de Campos dizia que não era mais um poeta concreto, mas um poeta da concretude. Não há nada mais pertinente nesta apresentação que esta leitura avessa da profecia de um mestre. Valéria Tarelho é, também, uma voz da concretude. Dona de uma dicção que se reconhece na fala dos silêncios. Da imensidão de silêncios que inundam esse tempo de velocidades e usuras midiáticas. Uma voz que não precisa de outras e ao mesmo tempo se multiplica em tantas. Por isso, não pede licença para que reconheçamos sua nitidez dentro de um palheiro de agulhas esquecidas num soberbo disfarce pessoano. Concisa na sua sensibilidade inteligente. Uma explosão de prazer que sacode o hímen das palavras para a construção de uma poesia de consistência e derme arrancada dos anseios e dos devaneios.Tudo isso ancorado numa lucidez visceral.
Escrevendo poemas há sete anos apenas, sem pedir licença aos babalorixás de crachá que se fecham em círculos cada vez mais contritos, inflados de suas substâncias desgastadas e pastiches purulentos. Este livro conta uma história de poemas que descem da estopa para a laje fria da expressão. Ardendo coisas ditas e não ditas. Como nos contou Leminski em seus Anseios Crípticos, o mestre Mishima já sentenciava: “Não sigam as pegadas dos antigos. Procurem o que eles procuraram.” Assim é Valéria Tarelho, dona de uma poesia que não segue pegadas. Uma poesia cuja certeza é uma busca e a universalidade da dúvida.
(apresentação do livro de Valéria Tarelho, a ser lançado em agosto, pela Editora Landy, SP - Brasil)
Um comentário:
Uma apresentação manifesto. Belo texto, Lau! E parabéns a Val!
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