sábado, 5 de setembro de 2009

A antropofagia do próprio texto – voltando ao tema

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por Lau Siqueira



O contraponto é sempre o melhor sumo do diálogo, no jogo asseado das idéias. Já escrevi para revistas de circulação nacional, sites, jornais e blogs. Aqui e ali lia alguém comentando a respeito. Na verdade, concordar ou não com algo escrito por outra pessoa pode ser considerado normal. Sempre considerei isso como alimento das minhas idéias. O que, convenhamos, não é muito normal é quando o autor do próprio texto acaba não concordando com o que escreveu e publicou. Não é esse exatamente o caso, mas pensei nisso quando recebi e-mail do escritor e professor Ítalo Moroconi acerca de um texto que divulguei no meu blog Pele Sem Pele e distribuí para alguns e-mails da minha lista de endereços eletrônicos, recentemente. Na oportunidade me referi a professores que não apenas desconheciam, mas abominavam a literatura contemporânea.

Na verdade não era exatamente isso que o texto abordava. Esse elemento foi pinçado pelo escritor que contestou, afirmando que no Rio e São Paulo existem muitos professores atentos à produção contemporânea. Não duvido. Eu sei disso. Na verdade, este não é um privilégio do Rio e São Paulo que, convenhamos, nunca foi e agora mais do que nunca não é mais o centro nevrálgico do pensamento brasileiro. Existem professores em Minas (e eu citei Anelito de Oliveira), aqui na Paraíba (citei Amador ribeiro Neto), no interior de São Paulo, no Pará e em muitos outros lugares, atentos à produção contemporânea. Infelizmente, também, existem aqueles que simplesmente abominam qualquer movimento em direção à literatura contemporânea. Este é um fato inquestionável. Entrementes, não era este o foco do artigo. A menos que eu tenha perdido meu próprio foco.

Eu abordava a produção contemporânea a partir da internet e seus veículos. Não citei, mas, por exemplo, muito me impressionou um poema de Luciana Marinho no meu Orkut. Por falar nisso, Luciana é professora do curso de Letras da Universo, em Recife. Uma universidade particular onde a literatura contemporânea também não é ignorada. Estarmos vivenciando uma relação midiática cujas reações são imediatas e o peso que isso tem na própria produção literária. Foi exatamente isto que aguçou meu pensamento. Para citar mais um exemplo, recentemente escrevi o prefácio do livro “Solacio”, da poeta Valéria Tarelho, de São José dos Campos-SP. O livro vai sair em edição nacional, pela editora Landy, dentro da coleção Alguidar, organizada pelo poeta Frederico Barbosa.

Minha reflexão partia de conversas com amigos na própria internet. Valéria, por exemplo, escreve poemas há sete anos apenas. É uma leitora voraz dos clássicos, uma pessoa culta, mas também é leitora da produção que circula na internet. Até mesmo a produção inédita como a sua. Será que isso não teve e não tem influência alguma na sua poesia? Duvido muito. Para os poetas que freqüentam o Orkut e o twitter, por exemplo, estes são também excelentes instrumentos para a veiculação de boa poesia e idéias sobre poesia. No meu Orkut, por exemplo, afloram textos de Helberto Helder, Nuno Júdice, Hopkins, João Cabral e outros poetas. Presentes deixados por amigos e amigas, cuja sensibilidade não foi suprimida pela tecnologia. São meus amigos de Orkut, nomes representativos da poesia brasileira contemporânea, como Ricardo Silvestrin, Ronald Augusto, Cláudio Daniel, Frederico Barbosa, Antônio Mariano, Lucila Nogueira, a própria Valéria Tarelho e outros bons poetas da rede e da cama de palhas da realidade. Este artigo, bem como o anterior, tem como veículo o blog Pele Sem Pele e algumas colunas que possuo em sites, como El Theatro (http://www.eltheatro.com/).

Na verdade, creio que precisamos estar atentos ao que está em movimento. A internet, com certeza, revolucionou os métodos de divulgação da literatura contemporânea. E sem desconstruir o que os cordelistas já faziam há cem anos ou mais. Até mesmo as grandes editoras e as grandes redes de livrarias usam a web para a afirmação dos seus negócios e para a ampliação da sua lucratividade. Mas, não era exatamente a isto que eu me referia. Logicamente, sem a pretensão de esgotar o assunto num artigo de duas laudas e meia, no máximo três, um assunto de tamanha densidade e relevãncia, eu abordava a repercussão desse processo na própria linguagem poética do século XXI. Este é o fato central do meu raciocínio que, posso concordar, talvez não estivesse muito bem colocado. É certo que abomino a ignorância como método de estudo. O fato de alguém estudar Camões, por exemplo, não o impede de conhecer e admirar, por exemplo, as vanguardas que despontavam em regiões fora do eixo. Cito aqui a importância quase desconhecida do Rio Grande do Norte para a poesia de vanguarda brasileira, nos anos 60, 70 e mesmo nos dias de hoje.

Penso que a evolução da linguagem poética deve-se, muito especialmente, à capacidade de atenção dos pensadores desta produção aos menores movimentos da língua e seus afluentes na cadeia produtiva do conhecimento. Recentemente li uma reportagem sobre a influência do chamado “internetês” no ensino da língua portuguesa. Ou será que alguma espécie de germe erudito impede os professores de língua portuguesa do ensino fundamental, principalmente, de avaliar o fato de seus alunos passarem boa parte do dia no MSN, escrevendo coisas como vc tc de onde? (você tecla de onde?). É certo que as pesquisas ainda apontam opiniões desfavoráveis ao enriquecimento da língua com fatos desta natureza. No entanto, sinto uma vontade enorme de questionar as pesquisas (78% é o índice desfavorável) se não houver uma capitulação ao internetês. O que seria mais prejudicial ao estudo da língua portuguesa? O internetês ou a supressão do estudo do Latim nas escolas brasileiras?

Logicamente que outras oportunidades deverão me remeter ao tema que, cá pra nós, muito me agrada pela sua capacidade de convulsionar o pensamento. Quando se trata de pesquisa da linguagem poética (ou de qualquer linguagem artística), não se pode suprimir absolutamente nada. Mesmo as questões ditas abomináveis. Neste tempo de velocidades no qual estamos mergulhados, muito especialmente as certezas são questionáveis. As verdades absolutas são atestados de incompetência teórica. Idéias calcadas em preconceito de qualquer espécie, penso eu, não combinam com o distanciamento histórico (e não estético) das idéias de Aristóteles, Longino e Horácio. Estamos praticamente concluindo a primeira década do século XXI. Posso estar enganado, mas tenho visto ainda uma preocupação despreocupada das universidades com o pensamento contemporâneo. Ou pelo menos, penso que a universidade continua com a velha mania de produzir para seus próprios ambientes. Não sei se isso é bom ou ruim, mas a produção do pensamento contemporâneo já não possui tanto assim o campus como limite geográfico da produção intelectual.

Antes que me submetam a uma pregação metodológica, este texto - tanto quanto o anterior -não tem pretensões ensaísticas. Apenas levanto uma lebre sem pele sobre as agonias que perpassam um mundo que vive hoje outros dramas, outras inquisições. Uma delas é a abolição do pensamento enquanto vetor principal para o trem da história.

6 comentários:

Susanna disse...

Vc toca o problema com a unha! Pode deixar de ser um problema se for entendido como um acontecimento, um fenômeno de nossa época e inserido na nossa prática docente como um elemento importante de leitura e produção crítica. A internet tem poder e influência sobre a formação do pensamento hoje. O que me assusta é a crítica rala que escolhe publicar/veicular material poético segundo os seus próprios critérios (apadrinhamento das novas vozes? reiteração do já conhecido?), trazendo produções de qualidade duvidosa misturada a coisas melhores, nos seus sites, blogs, portais. Haveria alguma mudança nisso se pensássemos no papel do jornal há 30 e poucos anos, para ficarmos próximos do século XX nessa referência? Creio que a mudança está na possibilidade de qualquer um ter o seu espaço na internet e poder ler e recortar o que deseja, criar o seu próprio discurso e/ou alinhavar-se ao do próximo. Vc me fez pensar. A internet estreitando laços! Carpe diem! Abraços!

Lau Siqueira disse...

O que me parece é que todo lado tem outro lado. Logicamente que do ponto de vista do ensino da literatura, preocupam as referências frágeis. Mas, do ponto de vista da evolução da literatura, não. A boa literatura sempre se fortaleceu quando voltada para ela própria em parfte e em parte para a história. Assim, o mergulho no oco, tão necessário aos procedimentos criativos, se torna cada vez mais necessário. Mas, vc tem razão, se cria referências falsas com base em critérios, muitas vezes, de pouco apelo literário.

Desnuda disse...

Li este texto e outro de questão relativa. Confesso que a minha opinião não agradaria a gregos e troianos na íntegra das pontuações e receio que pelo excesso de franqueza, não seria um contraponto. Ou seria? Numa conclusão realista, talvez sim. Embora nada que possa dizer terá um ponto final. Tenho analisado estes aspectos há algum tempo. Penso que opinar corresponde a responsabilidades. E eu as tenho. Deixo claro que a minha particular opinião não é validada por uma cultura expressiva ou acadêmica . Mas legitimada pelo direito à liberdade de expressão como ser humano de observar, pensar e questionar. Tudo isso distanciada de quaisquer objetivos, a não ser os que me deparo com perplexidade na lida cotidiana pessoal e virtual, que me incomoda. Este assunto, confesso, deixa-me com dedos travados e com uma imensa vontade de gritar e de extravasar meus silêncios que são aflitivos e receosos. Você, Lau ,com riqueza de fontes e subsídios citados, nos oferece todas as ferramentas para que possamos, avaliar estas questões. Em especial para os que não atentaram para a sua importância. Tudo, num espaço tempo em aberto que o futuro dirá. Mas creio ser de suma importância e necessidade de levantar este tema e seus questionamentos .
“ O bom leitor haverá de saber selecionar os bons textos.” Acho que para se peneirar o que anda pela rede é necessário uma base que nem todos possuem, apenas uma minoria. Mas isso não os impede de fazer uso do espaço que lhes foi dado, segundo e seguindo seus conceitos de” cunhadismo”. Diante disso, o que se vê é quantidade da má qualidade com conseqüências não tão pesarosas para a literatura e seus estudiosos, onde não vejo vulnerabilidade suscetível a grandes riscos, mas pode ser diferente para a formação em diversos níveis de seguimentos no perfil sócio - cultural.



** Agora minha “ mea culpa” rsrsrs: como bloguista procuro ser cuidadosa na qualidade do que edito em alguns blogs por gosto e prazer e grande contentamento ao me deparar com o novo e belo de excelentes poetas no mundo virtual. No entanto, tenho um que conscientemente me dou a liberdade de escrever sem compromisso e objetivos literários. Neste, o que parece ser para quem sabe, não é. Como não é para mim. Mas será que todos que escrevem e lêem tem bom senso e discernimento? Dentro deste contexto, extraio subsídios onde é comum uma reflexão, com certa freqüência.

Abraço, Lau!

leia disse...

Chego até ficar tímida diante de tanto conhecimento e sabedoria.
É o meu escritor preferido. Desnecessário maiores comentários.

Gerusa Leal disse...

Excelente artigo, Lau, levanta poeira. Eu só acho que se esquece, às vezes, que a internet é suporte. Boa ou má literatura, tradicional, canônica e/ou contemporânea abunda também no suporte livro impresso. E já que o foco é na literatura contemporânea, com as gráficas rápidas, os livros publicados sob demanda, praticamente qualquer um também pode, com boa ou má qualidade, materializar seus escritos. A internet é mais democrática, dizem, aqui não se paga pela tiragem de livros que quanto menor, mais cara. Ora, não se paga, mas se não tiver um micro, se não pagar uma conexão, também não consegue ter seu espaço "gatuito" na internet. A maioria das pessoas não quer saber de ler. Dentre as que lêem, a maioria está atrás de auto-ajuda e best sellers de qualidade duvidosa. Sobra uma meia dúzia de leitores/escritores interessados, que se preocupam em não trair a literatura, e que sabem, sim, o que presta e o que não presta. E dentre estes, tenho visto e convivido com uma quantidade razoável que lê os bons contemporâneos (lê às vezes os maus também, para conferir, mas sabe a diferença). Quanto a professores, a instituição escola, em qualquer nível, é a mais conservadora e reacionária que conheço. Você, Lau, cita, com acerto, contando nos dedos de uma mão, professores que vão contra o sistema, para tentar formar leitores. Seja da tradição, seja do contemporâneo. Tiro meu chapéu para esses Quixotes, e agradeço por haver tido alguns durante minha formação escolar.
Abraços

Lau Siqueira disse...

Gerusa, estou mesmo questionando isso. Será que a internet é apenas suporte, ou traz em si elementos de uma nova linguagem? Certamente que ter saído do pergaminho para as prensas tipográficas também trouxe suas linguagens. O que mais me impressiona na internet é essa coisa da visibilidade invisível... da perenidade que pode, numa pane tecnológica, se desmanchar no ar... no meu caso, levando para o esquecimento boa parte da minha produção. Pra mim, tudo que me leva a pensar, vira elemento de linguagem. Mas, volto ao assunto, com mais fervor... beijos

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