domingo, 9 de maio de 2010

As representações sociais da decadência e a resistência cultural na Cidade das Acácias

"É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte." (Caetano Veloso)


 
Lau Siqueira

Em outros momentos históricos talvez provocasse maior frenesi a proposta da vereadora Elisa Virgínia de submeter as ações de arte pública na cidade de João Pessoa à Câmara de Vereadores, transformando-a em departamento de censura. Cazuza até que tinha razão quando berrava “o tempo não pára.” Mas, parece que parou na Idade Média para alguns portadores de profecias deformadas, denunciados já na antiguidade pelo mestre Jesus Cristo. O fato me trouxe à memória alguns versos do famoso artista popular nordestino, o Cego Aderaldo: “Quem nasceu cego da vista/ E dela não se lucrou/ Não sente tanto ser cego/ Como quem viu e cegou.” A sabedoria milenar do cantador nos mostra a necessidade de vermos as coisas como elas realmente são.
 
Sem demérito algum aos que foram eleitos para tratar dos assuntos gerais da cidade, me pergunto se haveria condição real para um mergulho no conhecimento sobre arte moderna, arte contemporânea, arte pública, história da arte... E assim, minimamente informados, os vereadores pudessem dedicar um tempo precioso ao exercício da análise estética. (Aliás, um trabalho nada legislativo.) Logicamente que não! Todavia, o que ainda preocupa é o fato de uma pessoa com mentalidade tão desvirtuada, conquistar uma relevante representação social. É preocupante sabermos que o povo pessoense é representado, também, por esse patamar de incivilidade. A provocação que deixo aqui é a seguinte: o que leva um cidadão ou uma cidadã a votar em alguém que pensa de forma tão desfigurada?

Por outro lado, tenho observado com indisfarçada alegria a reação dos artistas e dos consumidores de cultura da cidade. Reações justas e conseqüentes. É tranqüilizador quando se percebe que a sociedade está atenta aos desmandos. Na verdade, a vereadora ultrapassou todas as barreiras do bom senso e está recebendo o troco. Praticou um ato tendencioso tentando ludibriar setores da sociedade no jogo político conservador. Misturar política com religião tem sido o mais vergonhoso ato de desrespeito à diversidade das crenças. Afinal, o Estado é laico. Mesmo que em épocas eleitorais, muitos pais e mães de santo, padres, padrinhos e pastores caminhem juntos no gingado dos interesses pela hegemonia da sociedade. A vereadora, neste sentido, cumpre integralmente os ritos da decadência. Não sabe que os evangélicos já não se comportam como um rebanho. Como todo o povo, cada vez exercitam melhor a cidadania e repudiam o oportunismo patológico de algumas representações que insistem em tratar os interesses coletivos de forma tão obtusa. Concluo, portanto, que a vereadora Elisa Virgínia bebeu na taça do ridículo e dançou até cair.

Lembro que há poucos anos, quando a Prefeitura colocou a internacionalmente reconhecida obra do paraibano Jackson Ribeiro, o Porteiro do Inferno, no giradouro da Universidade Federal da Paraíba, também ocorreram tentativas esdrúxulas para extrair dividendos políticos de uma polêmica vazia. Na época, representando a Fundação Cultural de João Pessoa, fui obrigado a intervir num programa de rádio para explicar que a uma obra abstrata, como o Porteiro, não poderia jamais ser dada qualquer conotação religiosa. A comunidade artística também reagiu e, felizmente, a polêmica não se sustentou. O que assusta, entretanto, é a condição a que foram alçadas certas pessoas em termos de representatividade social e política. O que preocupa é que uma pessoa como a vereadora Elisa tem a responsabilidade de analisar outras matérias de extremo interesse da cidade. Portanto, estamos ainda a mercê.

Em derradeira análise, observamos que numa sociedade que transforma as piores tragédias em espetáculos midiáticos é normal o ridículo virar notícia. Ainda chegará o dia que uma matéria assim não passará nos critérios editoriais de qualquer jornal de bairro ou blog sensacionalista. Este dia, deverá coincidir com a cobertura da dignidade das pessoas que vivem nas comunidades periféricas. Por exemplo, Mandacaru tem aparecido na mídia apenas como um bairro violento. Esquecem que se trata de um dos principais pólos de cultura popular da região. A notícia, geralmente, estabelece hierarquias de importância na construção das mentalidades. A submissão é uma marca da pobreza. As mentiras sociais, colocadas diariamente pelos (de)formadores de opinião como a vereadora, no entanto, já não encontram o eco que desejariam. Ainda bem. A cidade está mudando. O país está mudando. O mundo está mudando. Tudo porque estamos aprendendo a reagir com veemência contra os desacordos de uma nova ordem global. O mundo pode sim ser diferente. Depende sempre das nossas reações. Mentalidades oportunistas como a da vereadora pessoense, ainda bem, já causam mais riso que revolta. A comunidade artística, como se diz, deu uma merecida peia nos signos da ignorância travestida de moral. Como sempre diz Pedro Osmar, “arte ainda que tarde”. Tipo assim: estou gostando de ver a comunidade atenta e forte.

Um comentário:

Bellatrix disse...

'Ignorância travestida de moral'- é a frase do texto.
Essa mania de aceitar tudo o que a mídia prega é recorrente e trágica.
Nós construtores da mídia e formadores de opnião mudamos uma palavras e tudo se transforma, seja para o bem ou mal.

Infelizmente poucos tem clareza suficiente para suprimir os ditames da mídia.



Saudades das poesias 'pílulas'- doses diárias de inspiração.


bjs

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