quarta-feira, 27 de junho de 2012

Memórias de Macondo


Por Lau Siqueira

Começo minha caminhada nas páginas do jornal A União, lembrando que dia desses fiquei abatido - na verdade, bem mais que esperava - ao saber que Gabriel Garcia Marquez, uma das mentes de maior produtividade da literatura latino-americana, estava perdendo a memória. Fiquei triste pelo velho Gabo, autor de Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera, Relato de um  Náufrago, Ninguém Escreve ao Coronel, O Outono do Patriarca e outros clássicos que fizeram da América Latina um continente literário e tornaram nossos dias e noites mais plenos. O conjunto da obra rendeu a este colombiano de Aracataba, nascido em 06 de março de 1927, o Prêmio Nobel de Literatura em 1982.
Há alguns anos, circulou na internet um texto atribuído à Garcia Marquez, onde ele se despedia da vida. Alguns dos grandes jornais brasileiros publicaram o tal texto em letras garrafais. Mas, a  autoria foi desmentida pelo próprio escritor. Agora, não. Agora sentimos que ele está mesmo doente. Aos 85 anos, já não reconhece os amigos mais próximos e desde os 80 anos ele próprio vem constatando que sua mente já não é a mesma. Desistiu de escrever seu livro de memórias depois de ter perdido o irmão e ter começado a perceber que aquela sua “engrenagem criativa” começava a falhar.
Quem gosta de boa literatura acaba mantendo com os autores preferidos um certo grau de intimidade, sentindo suas dores como se fosse membro da família. Nestes tempos de cólera, quando a memória de alguns anda destruída pela ambição, pela embriaguês do poder ou mesmo pela falta de caráter, nunca é demais lembrar que somos muito pequenos diante da história. Talvez somente o realismo fantástico criado por Garcia Marques seria capaz de explicar as razões de quem esquece que as coisas conquistadas a qualquer preço, não valem quanto pesam. O que é real nesta vida é que os personagens da literatura tantas vezes são mais vivos que certos viventes.
 “A memória do coração elimina as más recordações e dignifica as boas, e graças a esse artifício, conseguimos superar o passado.” Esta frase remete-nos a reflexões. A memória de Gabriel Garcia Marquez é, na verdade,  toda uma obra construída com sotaque latino, com cheiro de povo. Ainda que passem os séculos, terá sua perenidade garantida. Todavia, entre o criador e seus personagens, existem as ruas vazias de Macondo. Lugar onde as sete gerações da família Buendía nos farão lembrar que entre a realidade e a fantasia, existem os valores humanos. Gabito, como era intimamente conhecido, soube escrever sua memória na galeria dos homens que resistem aos apelos do poder e lutam pelos direitos do povo. Por isso, quando morou em Nova Iorque, foi perseguido pela CIA. Agora é hora de rebuscar a estante e reler seus livros e perceber o quanto são pequenos alguns personagens da vida cotidiana.


Com esse texto, minha estréia semanal no Jornal  A União.

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