Por Lau Siqueira
Começo minha caminhada nas páginas do jornal A União, lembrando que dia desses fiquei abatido - na verdade, bem mais que esperava - ao saber que Gabriel Garcia Marquez, uma das mentes de maior produtividade da literatura latino-americana, estava perdendo a memória. Fiquei triste pelo velho Gabo, autor de Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera, Relato de um Náufrago, Ninguém Escreve ao Coronel, O Outono do Patriarca e outros clássicos que fizeram da América Latina um continente literário e tornaram nossos dias e noites mais plenos. O conjunto da obra rendeu a este colombiano de Aracataba, nascido em 06 de março de 1927, o Prêmio Nobel de Literatura em 1982.
Há alguns anos, circulou na internet um texto
atribuído à Garcia Marquez, onde ele se despedia da vida. Alguns dos grandes jornais
brasileiros publicaram o tal texto em letras garrafais. Mas, a autoria foi desmentida pelo próprio escritor.
Agora, não. Agora sentimos que ele está mesmo doente. Aos 85 anos, já não
reconhece os amigos mais próximos e desde os 80 anos ele próprio vem constatando
que sua mente já não é a mesma. Desistiu de escrever seu livro de memórias depois
de ter perdido o irmão e ter começado a perceber que aquela sua “engrenagem criativa”
começava a falhar.
Quem gosta de boa literatura acaba mantendo com os
autores preferidos um certo grau de intimidade, sentindo suas dores como se
fosse membro da família. Nestes tempos de cólera, quando a memória de alguns
anda destruída pela ambição, pela embriaguês do poder ou mesmo pela falta de
caráter, nunca é demais lembrar que somos muito pequenos diante da história. Talvez
somente o realismo fantástico criado por Garcia Marques seria capaz de explicar
as razões de quem esquece que as coisas conquistadas a qualquer preço, não
valem quanto pesam. O que é real nesta vida é que os personagens da literatura tantas
vezes são mais vivos que certos viventes.
“A memória do
coração elimina as más recordações e dignifica as boas, e graças a esse
artifício, conseguimos superar o passado.” Esta frase remete-nos a reflexões. A
memória de Gabriel Garcia Marquez é, na verdade, toda uma obra construída com sotaque latino,
com cheiro de povo. Ainda que passem os séculos, terá sua perenidade garantida.
Todavia, entre o criador e seus personagens, existem as ruas vazias de Macondo.
Lugar onde as sete gerações da família Buendía nos farão lembrar que entre a
realidade e a fantasia, existem os valores humanos. Gabito, como era
intimamente conhecido, soube escrever sua memória na galeria dos homens que
resistem aos apelos do poder e lutam pelos direitos do povo. Por isso, quando
morou em Nova Iorque, foi perseguido pela CIA. Agora é hora de rebuscar a
estante e reler seus livros e perceber o quanto são pequenos alguns personagens
da vida cotidiana.
Com esse texto, minha estréia semanal no Jornal A União.
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