por Lau Siqueira
Vamos aqui nos referir aos pequenos. Não apenas aos
de tenra idade. Mas, aos que somente se tornam visíveis enquanto multidão ou grave
sinalização estatística. Falo dos que
sobraram na curva das tantas equações da economia globalizada. Uma economia cujo modelo conjuga sociologicamente
suntuosidade condensada com vulnerabilidade
dilatada. Em alguns períodos com maior progressividade. Enfim, o desafio está
posto. Mas, antes que a politicagem tome conta do debate é bom lembrar que a
desigualdade chegou no Brasil com as primeiras caravelas. Somente nos últimos
anos começamos a efetivar o bom combate
das políticas públicas. No entanto, as transformações na cartografia social ainda
são lentas. Cada vez que a miséria explode seus efeitos sobre o cotidiano aflora
o medo da barbárie.
Na semana que passou, mais uma vez, dei de cara com
o medo dos pequenos. Estive operando o resgate
de cinco famílias em Mangabeira, num cenário violado pelo crime. Naquela madrugada, a guerra do crack havia
eliminado mais cinco. Aliás, seis, pois uma das vítimas estava grávida. Todos vivendo na “idade da pedra”: entre o tráfico e o
consumo devastador do crack. As chacinas, mais que problema policial, revelam-se enquanto grave mazela social. Afinal,
todas as violações dos direitos humanos estão ali reunidas. Direitos historicamente usurpados por
Cachoeiras e cascatas de corrupção e impunidade.
Numa antiga unidade da SUCAM que até o dia da chacina abrigava famílias sem
teto coordenadas por um movimento de luta por moradia (MOVIS), uma criança
olhou para mim e disse de forma imperativa: “não quero mais ficar aqui.” Ainda
era intenso o cheiro de morte no ar. Mais adiante encontrei uma jovem senhora
amamentando um recém-nascido. Muitas crianças no meio do tempo - a violência
gera contrastes inevitáveis. A delicadeza e a brutalidade estão sempre frente à frente.
Literalmente, ficaram por lá apenas os que realmente estão no desamparo. Os
excluídos de tudo. Os que sobreviveram e não poderiam fugir porque não tinham
para onde ir. Os que todo dia submetem suas vidas às balas perdidas na guerra
de uma modernidade condenada, minguando nos becos.
Aquelas pessoas sofridas eram representantes de uma
multidão invisível. Mesmo na era do chip e da TV Digital. Naquela noite de
sexta o medo desnudava todos os olhares. Principalmente os olhares pequenos. Olhos
de gente que cuida dos seus, mas precisa de ajuda para transbordar no oceano do
mundo. Por isso ainda vale a pena dizer o que precisa ser dito e fazer o que
precisa ser feito. Mesmo para revelar uma profunda indignação. Como dizia
Guimarães Rosa, “o que a vida requer é coragem”. Viver é sempre um bom combate.
......................
Artigo que será publicado no Jornal da Paraíba do próximo domingo, 17/06/12
Nenhum comentário:
Postar um comentário