quinta-feira, 14 de junho de 2012

O medo dos pequenos

por Lau Siqueira

Vamos aqui nos referir aos pequenos. Não apenas aos de tenra idade. Mas, aos que somente se tornam visíveis enquanto multidão ou grave sinalização estatística.  Falo dos que sobraram na curva das tantas equações da economia globalizada.  Uma economia cujo modelo conjuga sociologicamente  suntuosidade condensada com vulnerabilidade dilatada. Em alguns períodos com maior progressividade. Enfim, o desafio está posto. Mas, antes que a politicagem tome conta do debate é bom lembrar que a desigualdade chegou no Brasil com as primeiras caravelas. Somente nos últimos anos começamos a efetivar o  bom combate das políticas públicas. No entanto, as transformações na cartografia social ainda são lentas. Cada vez que a miséria explode seus efeitos sobre o cotidiano aflora o medo da barbárie.  

Na semana que passou, mais uma vez, dei de cara com o medo dos pequenos.  Estive operando o resgate de cinco famílias em Mangabeira, num cenário violado pelo crime.   Naquela madrugada, a guerra do crack havia eliminado mais cinco. Aliás, seis, pois uma das vítimas estava grávida.  Todos vivendo  na “idade da pedra”: entre o tráfico e o consumo devastador do crack. As chacinas,  mais que problema policial,  revelam-se enquanto grave mazela social. Afinal, todas as violações dos direitos humanos estão ali reunidas.  Direitos historicamente usurpados por Cachoeiras e cascatas de corrupção e impunidade.

Numa antiga unidade da SUCAM  que até o dia da chacina abrigava famílias sem teto coordenadas por um movimento de luta por moradia (MOVIS), uma criança olhou para mim e disse de forma imperativa: “não quero mais ficar aqui.” Ainda era intenso o cheiro de morte no ar. Mais adiante encontrei uma jovem senhora amamentando um recém-nascido. Muitas crianças no meio do tempo - a violência gera contrastes inevitáveis. A delicadeza e a  brutalidade estão sempre frente à frente. Literalmente, ficaram por lá apenas os que realmente estão no desamparo. Os excluídos de tudo. Os que sobreviveram e não poderiam fugir porque não tinham para onde ir. Os que todo dia submetem suas vidas às balas perdidas na guerra de uma modernidade condenada, minguando nos becos.

Aquelas pessoas sofridas eram representantes de uma multidão invisível. Mesmo na era do chip e da TV Digital. Naquela noite de sexta o medo desnudava todos os olhares. Principalmente os olhares pequenos. Olhos de gente que cuida dos seus, mas precisa de ajuda para transbordar no oceano do mundo. Por isso ainda vale a pena dizer o que precisa ser dito e fazer o que precisa ser feito. Mesmo para revelar uma profunda indignação. Como dizia Guimarães Rosa, “o que a vida requer é coragem”. Viver é sempre um bom combate.

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Artigo que será publicado no Jornal da Paraíba do próximo domingo, 17/06/12

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