sábado, 30 de dezembro de 2017

Água de buceta? Pois é, dizem que funciona. Ouvi tudo sobre isso de uma vez só e morri de medo. Depois relaxei. Dizem que a mulher, para ter a total fidelidade do homem, tem que dar para que ele beba, claro, sem que ele saiba, a tal da água de buceta. Sim, num copo. Numa jarra, para os casos mais graves. Mas, imagino que basta meio copo d’água de buceta para um homem de alta voltagem testosterônica ficar atordoado. Um apaixonado delirante. Os homens são presas fáceis. Idiotizados pelo machismo. A natureza animal faz com que nos iludamos com um poder que não possuímos. Parece que os homens precisam de algo que funcione como um antídoto contra o veneno das ventanias. Nunca bebi desta água. Mas, na vida e nas minhas leituras, nunca disse "desta água não beberei". 
Definitivamente não gosto de generalizações, de esteriótipos. Cada pessoa que generaliza, na verdade, se expõe desnecessariamente. Gosto de gente que gosta de gente. Gosto de gente sem gaiolas no olhar. Não acho que somos um caminhão de melancias, com algumas podres.Não torço contra. Nem mesmo contra o Internacional. Não gosto de todo mundo. O pensamento, a sensibilidade e a inteligência podem me encantar. A ausência disso pode me desencantar. Penso que o saldo sempre pode ser positivo. Mesmo nas tragédias, extraídos os entulhos. Sei que com algumas pessoas o respeito é uma questão de distância. No mais, faço poemas para não morrer de boas intenções. Não gosto de dizer nada pela metade. Nenhum mal dito deve ficar na garganta. Quando calo o assunto já é outro.
Na vida creio que decepcionei muita gente. Acho que algumas pessoas esperavam de mim o fracasso. Afinal as comparações ficariam mais favoráveis. Consegui ser pior. Fui e sou o avesso. Sou dos que pensam que toda alegria deve ser repartida e que todo fracasso é coletivo. No mais nao me ocupo com a caminhada alheia. Estou sempre ocupado demais com meus próprios passos. Olhar o outro me faz perceber o quanto ainda precisa ser feito.
Juro que estou ouvindo uma conversa alheia sem querer num café da 24 de Outubro, em Porto Alegre. A digníssima senhora conta para a amiga que seu marido é oficial reformado e que ele tinha um carro pago pelo Exército a disposição. Com esse carro atravessavam a fronteira do Uruguay para comprar carne de primeira e outros gêneros. Realmente a carne é fraca. 
Finalmente Anitta me despertou a curiosidade. Fui buscá-la no Youtube. Algumas coisas me impressionaram. Por exemplo, 25 milhões de acesso. Outra coisa: bundão da porra! Nem lembro do rosto. Daí lembrei que a celulite está para a bunda assim como o ácaro está para o livro. Dou valor. Senti ternura pela celulite da bunda de Anitta. Tão real. Não lembro da música, mas lembro da descida até o chão. Todo respeito pela moça. Todo repúdio à máquina que a produziu. Anitta e Safadão sao produto da indústria do jabá. Música oferecida para o povo. Lembrou 1984, de George Orwell. Lembrou Chico Science: "computadores fazem arte/ artistas fazem dinheiro". Diversão para o povo. Embalo das massas. Lembrei também Geraldo Vandré me dizendo profeticamente: "se a maioria tivesse razão, não estaria na miséria".
São incalculáveis os prejuízos de uma ditadura. Nem falo dos seus crimes, mas dos seus inexplicáveis silêncios.
Devemos separar cuidadosamente (para não segregar) a cultura do povo dessa cultura forjada para o povo. São coisas bem distintas. O que chamam de povo é sempre multidão. A noção de povo, no geral, é extremamente uniformizadora. É a negação do fator humano. A negação da diversidade humana. São milhões. Milhões de pessoas. Milhões de dólares. O gosto popular só existe quando a escolha é um direito. Não é o nosso caso.
Tem gente que engana um dia e é péssimo. Tem gente que engana muitos dias e isso é muito ruim. Mas, há os que enganam a vida inteira: esses são os insuportáveis.


Rede social parece um lugar de gente perfeita. Claro, só parece. Eu não queria estar na pele dos que nunca se enganam. Ser infalível deve ser algo de uma infelicidade enorme. Um peso infinito nos ombros. Além de ser chato, inodoro e incolor. Não quero essa obrigação de ser exato. O erro nos humaniza. Aprender é a maior expressão de dignidade. Reconhecer um engano é saudável. Tripudiar sobre os erros alheios é uma doença amarga. Só me reconheço pelos meus atropelos e meus poucos acertos, na verdade, são fruto de muitos erros. Viver é experimentar. A incerteza nos aguarda na primeira esquina. O mais grave é não nos reconhecermos como iguais. Mais grave ainda é supor superioridade onde ela não existe.

"ESTE SILÊNCIO TODO ME ATORDOA"

O ano de 2017 consolidou um cenário horroroso. Lembro agora dos que ironizaram o golpe. (Estão calados. Sumiram até mesmo das redes sociais) O mais trágico é que multidões acompanharam uma quadrilha que dizia "combater a corrupção". Aliás, "com o Supremo, com tudo". Além dos direitos sociais o que está indo para o buraco de forma espetacular é a soberania nacional. Que ironia, algo tão defendido pelos militares em outros tempos. Por exemplo: uma vez consumada a venda da Embraer para a Boing (estatal americana) e a MP que permite a venda de terras rurais a estrangeiros (inclusive de assentamento), estará consolidada a nossa condição de colônia.
O ano de 2018 se mostra muito incerto. Parece que estamos fazendo de conta que basta eleger Lula para desfazer o mal feito. Outros acham que basta eleger um fascista, criminoso. Terminamos o ano sem reação. Esperando que tudo se resolva numa eleição. O crime organizado está mais poderoso que nunca. Está no poder e podendo muito. As explosões de caixas eletrônicos no país inteiro (bilhões e bilhôes) se multiplicam, sem que ninguém seja preso. Os bancos não perdem, pois repõe as perdas via seguro. A população não reclama, pois mais grave é um moleque levando o celular da boyzada. Enfim... Sejamos otimistas, mas não alienados.
Os cartesianos que me perdoem. Nada precisa ser exato. As coisas não precisam dar certo. O que é dar certo? As vezes a exatidão consolida uma algema. Quando nos entregamos com muito amor ao processo, o resultado já não importa. Jamais irá superar o aprendizado. Tem lugar que é só caminho. Não há ponto de chegada. A vida tem o tempo de uma ampulheta. O silêncio acolhe cada grão que passa e não volta mais.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Ebulição no mundo editorial.

Por Lau Siqueira


Não quero exagerar, mas parece que do início do século XX pra cá, vivenciamos alguns momentos de ebulição na literatura. Primeiro com a Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, a Semana extrapolou. Trabalhou a literatura, mas também a música, a escultura, a pintura. As rupturas de 22 ainda hoje influenciam e determinam os passos da literatura e de outras artes ditas brasileiras. Podemos considerar, também, que a Poesia Concreta impactou por ser o único movimento de vanguarda genuinamente brasileiro. Também continua determinando os rumos a Poesia principalmente, mas também de outras artes no Brasil e em outros países.

Outubro de 2017 também deve entrar para o calendário das grandes transformações. O Mulherio das Letras, acontecido na Paraíba, trouxe para o debate as inquietações e as zonas de sombra do universo editorial. Sem aprofundar o debate estético (não era esse o objetivo), reverberou as diferenças e as potencialidades do universo feminino na literatura. O Mulherio teve uma característica fantástica. Mostrou um altíssimo poder de mobilização e trouxe para a cena, inclusive, a saudável certeza que nem tudo é ou deve ser consenso. Portanto, me refiro aos três momentos de forte impacto na história da literatura brasileira. Logicamente, sem a insensatez das comparações.

Dizem que a segunda edição deverá acontecer em Guarujá-SP. Espero que o triplex da Odebrecht seja cedido para abrigar algumas visitantes. Certamente outros lugares também haverão de querer um evento de tamanha magnitude. Muitas movimentações em torno da escrita feminina e feminista devem abrir espaços. No entanto, o Mulherio das Letras enquanto movimento das mulheres escritoras deste país, aconteceu aqui na Paraíba. No máximo, teremos eventos surgidos em consequência desse movimento. Tudo será consequência do que aconteceu por aqui.  Certamente que as coisas não deverão permanecer no mesmo lugar. O grito das mulheres ecoou e revelou também suas mazelas.

O fato é que o mercado editorial ficou de olho. O Brasil que escreve e que lê ficou de olho. Os homens que escrevem e leem ficaram de orelha em pé.  Foram dias de intensos debates e de absoluta autonomia na condução dos trabalhos. Foi, sem dúvidas, o maior movimento de mulheres escritoras da história deste país. A repercussão certamente atravessará fronteiras, pois num tempo não muito distante, as mulheres precisavam publicar seus livros com pseudônimos masculinos para a plena aceitação do mercado. Dificilmente se repetirá com a mesma intensidade. Dificilmente não terá fragmentações, mas certamente cumpriu o seu papel ao chamar a atenção para as inocências nada inocentes da literatura. O racismo, o machismo, a homofobia. Expressões da existência nada ficcional das esquinas, ainda domina a cena.

No momento em que o Brasil e o mundo atravessam um momento nebuloso, o contraponto da escuta e da ocupação dos espaços faz uma diferença enorme. Mesmo que em alguns momentos tudo se perca nas trações do imaginário ou das inquietações extraliterárias. A sensação que ficou é que o objetivo das organizadoras foi atingido. O do movimento Mulherio das Letras me pareceu bastante anárquico. Recusando um comando formal, apesar de tecer com clareza os fios condutores para que o debate se tornasse fluente como um rio. Todavia, duas escritoras saem da cena do Mulherio como protagonistas por diferentes motivos. São elas as escritoras Conceição Evaristo e Maria Valéria Rezende.


Agora é aguardar as movimentações que naturalmente deverão acontecer. A repercussão foi imensa. Quiçá, para além-fronteiras. Nada, certamente, voltará ao seu lugar. Os debates mais ou menos acirrados encontrarão seus espaços de expansão. A literatura escrita pelas mulheres haverá de trazer novos ventos. Ninguém escapará deste vendaval. Homens, mulheres, leitores, leitoras, escritores, escritoras, formadores, formadoras. As expectativas são muitas. Mas, não tenho dúvidas que o impacto maior será no mercado editorial. Como? Não sei ainda. A visibilidade de algumas mulheres puxará pelos pés a invisibilidade de muitos homens. O movimento Mulherio das Letras não foi excludente. Foi apenas mais um passo mais largo de uma longa caminhada. Um misto de generosidade, militância e utopia.

domingo, 8 de outubro de 2017

A criminalização da arte e o silêncio dos inocentes.

por Lau Siqueira


Recentemente duas polêmicas ocuparam as redes sociais no palco sombrio da intolerância e na aldeia das informações distorcidas. Falo, inicialmente, da exposição “Queermuseu”, no Centro Cultural Santander, em Porto Alegre. As temáticas LGBT atiçaram o ódio de elementos do controverso MBL – Movimento Brasil Livre –, agrupamento de militantes políticos de extrema direita que tem se notabilizado pela insensatez e virulência. Mesmo liberado pelo Ministério Público Federal, o banco decidiu encerrar a exposição. Entendo que tanto o ato do MBL quanto o banco infringiram a lei, uma vez que a homofobia é crime. Foram dois atos inaceitavelmente homofóbicos. Ironicamente, o Santander possui um dos maiores acervos de artes plásticas do país. Certamente com as mais diversas temáticas. Esta foi só uma demonstração do obscurantismo e fanatismo que alguns setores tentam impor ao Brasil. Aliás, já com resultados lamentáveis. Por exemplo, a agressão covarde à mãe que abraçava a filha num shopping de Brasília. O agressor supunha ser lesbianismo uma expressão de amor materno. Vejam a que ponto chegamos!

No caso do MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, ainda é mais grave. Tentaram tratar o fato como “abuso sexual de criança e adolescente”. Políticos que não tem o menor respeito pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, passaram a defender o ECA para criminalizar a exposição. Aliás, uma linda cortina de fumaça para esconder um pouco a pornografia moral que cobre o Palácio do Planalto e a maioria dos demais poderes onde estão inseridos. Principalmente o Senado e a Câmara Federal que, com raras e preciosas exceções, envergonham o país.

Vejamos o que diz a lei ao pé da letra. Segundo o ECA que em seu artigo 241, “vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” é crime. A pena de reclusão é de quatro a oito anos, mais multa. Muito claramente o fato não pode ser enquadrado neste artigo. Não houve qualquer ação de pornografia no filme divulgado. Já no artigo 232 o ECA é muito claro e diz que: submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento é crime. Aí podemos começar a pensar. Houve sim um ato criminoso de quem se apropriou das imagens para divulga-las indevidamente. Por exemplo, o deputado nazifascista Jair Bolsonaro. Ele não teve o cuidado sequer de cobrir o rosto da criança na sua divulgação. Portanto tentam inverter o sentido da lei para fugir dela. Até porque isso dá cadeia. De seis meses a um ano de prisão.
Mas, vejamos o que diz o nosso Código Penal  que, aliás, é de 1940. O artigo 218-A, por exemplo, cuja pena de reclusão pode ir de dois a quatro anos, afirma que “praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem” é crime. Muito objetivamente, não foi o caso. E o filme, este sim, criminoso, mostra isso de forma muito objetiva. Mas, vamos para o artigo 234 que diz exatamente o seguinte: “fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno” é crime. Diz ainda que realizar representação teatral ou exibição cinematográfica de caráter obsceno é crime. Nada disso estava configurado na exposição. Não posso dizer o mesmo da atuação cinematográfica do aliado de Bolsonaro e demais golpistas, o grotesco Alexandre Frota.
O nu na história da arte que algumas pessoas estão descobrindo agora, vem de pelo menos 20 mil anos. Por exemplo, com a Vênus de Willendorf. Porém, nada é de graça. A tentativa de criminalizar a arte é apenas o começo da criminalização das liberdades individuais e coletivas. A arte livre sempre foi um símbolo de democracia. No entanto, estamos convivendo com a proliferação estimulada de fanáticos e lunáticos querendo mostrar força política. Não há inocência nisso. Caso contrário, teria havido por parte desses senhores e senhoras cheios de moralismo e ódio, um esforço máximo para elucidar aquele caso de tentativa de estupro por parte do pastor Marcos Feliciano. Mas, ao contrário. De uma hora para a outra, todo mundo virou “crítico de arte” e o caso Feliciano foi abafado. Políticos que deveriam estar preocupados na elucidação de casos concretos de corrupção encontraram uma forma muito oportunista de desviar o assunto.
Pornografia de verdade é a matança de jovens negros que esses mesmo senhores apoiam defendendo a pena de morte e criminalizando a pobreza. Anos atrás estive no MAM visitando uma belíssima exposição de Volpi. Soube recentemente de uma petição assinada por mais de oitenta mil pessoas que, provavelmente nunca pisaram lá, solicitando o fechamento do museu. Já temos dificuldades enormes para solidificar a presença da arte na composição da cultura brasileira, tão diversa e tão marginalizada. Imaginem conviver com verdadeiros talibãs, xiitas, portadores da ignorância, do preconceito e da falta de respeito pela produção artística brasileira. Inaceitável engolirmos calados o que está posto. Mais respeito pela arte e pelos artistas brasileiros. Para concluir, indico a leitura  do artigo de André karam Trindade: “a criminalização da arte e a recolonização do direito pela moral”. Está on line. Há reflexão e há resposta sobre tudo isso. Por exemplo, 115 artistas ficaram nus em Brasília (foto) em defesa do performer preso por nudez no MAM.


terça-feira, 13 de junho de 2017

Em 2016,mum homem foi acorrentado a um poste, em Crato-CE.
Morro de medo do senso comum. Corro das unanimidades. Penso que uma das coisas que mais assusta nos tempos atuais é a banalização coletiva da vida. O naco empoeirado de democracia que conquistamos, certamente, não foi bem aproveitado. Temos assistido cenas horrorosas e absolutamente abortadas da memória comum. Por exemplo, quando aqueles rapazes tatuaram na testa de um adolescente a frase “Eu sou ladrão e vacilão”, sinalizavam que boa parte das ditas ”pessoas de bem”, perderam o senso de justiça e de humanidade.

Não me refiro apenas aos rapazes que cometeram tamanha violação dos direitos humanos e devem pagar por isso. Mas, às pessoas entrincheiradas na própria covardia que passaram a manifestar apoio ao ato tresloucado dos tatuadores sobre um jovem infeliz. Alguém que deveria simplesmente ter sido entregue para uma delegacia especializada. Nada justifica tamanha crueldade, tamanha humilhação. Nada justifica a tentativa de inibição ao crime com atos e ações criminosas. Muito menos ainda num país de homens poderosos, evangélicos e “do lar”, como Eduardo Cunha e tantos outros da sua laia. Esses, mesmo presos, estão cheios de poder e dinheiro para tatuar a miséria no olhar das multidões.  

Semana passada, também, pude ler num jornal que a secretária de saúde da cidade de Cajazeiras-PB - Primeira Dama do município - defendeu publicamente o uso do choque elétrico em pacientes com esquizofrenia. Pior de tudo: ela se justifica apontando casos na própria família. A emenda ficou pior que o soneto. Conseguiu piorar o que já era cruel demais, pois se mostra incapaz de amar até mesmo os seus. O fato alarmou militantes da Luta Antimanicomial, da saúde mental e outros militantes humanistas. Foi esmagadora a manifestação de pessoas contrárias ao posicionamento da secretária.

No entanto, pude observar que nas redes sociais e nos comentários dos portais alguns profissionais também se posicionaram justificando o choque para determinados casos. Claro, com a mesma crueldade, mudando apenas o método e a nomenclatura. Justificando assim a tortura física como instrumento terapêutico. É impressionante como estamos sempre a um passo de um retrocesso. Quem já teve alguém muito querido vitimado pela desumanização dos tratamentos pode falar com segurança. Esse não é, absolutamente, um assunto exclusivo dos especialistas. É um problema social e de saúde pública. A questão humana que fala mais alto. A aplicação de métodos violentos “de cura”, como o choque elétrico, não pode ser tão banalizada.

Sem ser especialista no assunto posso dizer com muita segurança que o choque não cura. Apenas destrói a pessoa. Aniquila suas defesas diante de uma doença que, na verdade, já é a própria fragilidade. Não precisamos de especialidade alguma para admitir o óbvio. O preconceito contra a doença mental é, talvez, uma das mais cruéis justificativas para a exclusão social. A maioria dos doentes mentais vive ainda num verdadeiro apartheid.

Assim, concluímos que sociedade moderna está se notabilizando pela crueldade. Não são bandidos consagrados por crimes e condenações que defendem essas aberrações. São as pessoas ditas de bem. Não somente as pessoas de bens. Pessoas da nossa convivência, às vezes. Homens e mulheres que circulam entre nós e postam suas ideias nas redes sociais. No caso de Cajazeiras, simplesmente se trata da maior autoridade em saúde pública de uma das mais importantes cidades da Paraíba.
Lembro ainda do policial que acorrentou um rapaz a um poste, no Crato-CE (foto), no ano passado. Também por motivo de roubo. Não bastou prender. Tinha que submeter ao suplício. Afinal, a humilhação que destrói a condição humana. Tinha que reproduzir o ambiente escravista. O tempo onde os negros eram submetidos a todo tipo de violência publicamente, sem qualquer contraponto legal. Não posso crer que o policial não soubesse que também estava cometendo um crime. Suas motivações eram outras. Sabemos que reina no senso comum a frase “bandido bom é bandido morto”. Seriam mais sinceros se dissessem que “bandido pobre é bandido morto”. Os ricos, no máximo, recebem cela especial ou pena domiciliar.
Não há delação premiada que diminua a humilhação de pessoas que já nascem condenadas.  Essas coisas nos fazem acender o sinal amarelo, pelo menos. Precisamos prestar atenção para onde caminha essa humanidade tão ensandecida. Afinal, estamos apenas concluindo as duas primeiras duas décadas do século XXI e já parece que temos um amargo futuro pela frente. O que mais nos preocupa é que não são casos isolados. As teias segregadoras da sociedade dita moderna espalharam-se indefinidamente.

Já não são focos isolados de insensatez. O fascismo brasileiro saiu do armário, como dizem por aí. São inúmeras as situações macabras comentadas nas redes sociais de forma agressiva, com intolerância. Pessoas ditas comuns são estimuladas ao crime sob pretexto de alcançar a justiça. A banalização do ódio tem tornado as pessoas cada vez mais cruéis. As pessoas de boa fé não podem perder esse debate. Seja nos bares, nas igrejas, nas mídias, nos parlamentos ou nas redes sociais.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

“LÁ VEM O BRASIL DESCENDO A LADEIRA”

Por Lau Siqueira


Poema visual que fiz anos atrás 
Nosso país está doente. Quase em estado terminal. Não apenas pelos escândalos que envolvem as instâncias de poder do Planalto Central e os grandes grupos empresariais brasileiros. Estamos vivendo um momento muito complexo em todos os sentidos. Parece que abriram a porta do inferno e o primeiro a sair correndo e gritando “Deus nos acuda”, foi o diabo. Já não sabemos mais quantos interesses estão envolvidos nos escândalos que abalam a nação. O certo é que dentro das estruturas de poder, abrigamos uma verdadeira máfia e mafiosos como o senador Aécio Neves. Alguém que fala direta e nitidamente da necessidade de fazer “queima de arquivo”, não deveria estar na vida pública. Deveria estar na cadeia. 

Por outro lado, um fato na delação dos estranhos personagens da JBS fugiu às análises. Esse fato é o preço da defesa de Aécio sustentada por um esquema de caixa 2. Dois milhões de reais. Certamente, não seria apenas para o advogado. Não é real discutir honorários advocatícios nesse padrão, convenhamos. Ou então vamos começar a nos perguntar sobre uma certa fração de juristas inescrupulosamente ricos. Certamente, esse dinheiro percorreria uma rota de corruptíveis personalidades, muito provavelmente, do próprio mundo jurídico. É muito bolso para se guardar 2 milhões não declarados. Não vamos esquecer que alguns setores do Judiciário tem se posicionado de forma exótica, digamos assim.

E quanto ao Temer, também pego com a mão na botija da JBS? Um fantoche ungido num golpe cheio de episódios deprimentes. Ele não é e nunca foi presidente. Continua muito decorativo para ser governante. Sequer mostra competência para administrar seu lado obscuro. Sem ter vencido eleição alguma para estar onde está, foi derrotado pela própria sombra. Um político de safra vencida. Um vampiro da vaidade humana escolhido num acordo eleitoral para ser o vice da Dilma. Não precisa renunciar. Precisa apenas desocupar imediatamente um lugar que não é e nunca foi seu. Precisa ser julgado por uma confissão de culpa expressa numa gravação que não deixa dúvidas. Temer é corrupto e corruptor. Há convicção e há prova.  No entanto, condena uma nação inteira para se manter no comando, sem comandar nada.

Mas, nada disso surpreende. Certamente temos muito ainda o que aprender em termos de transparência e idoneidade. Acabar com o financiamento privado de campanha seria um bom começo. Afinal, podemos até nos fazer de desentendidos, mas o caixa 2 existe exatamente para o financiamento “informal” das campanhas. Se parte dos beneficiados aproveita para aumentar o patrimônio é outro papo. O fato é que esse tipo de financiamento é o começo de tudo. Ou quem defende financiamento privado saberia explicar como uma empresa pode investir milhões em várias legendas, sem querer nada em troca?  É dessa fonte que chegam os recursos para compra de votos. E político que compra votos é o mesmo que vende a alma.

A ânsia de pegar Lula provocou dois fenômenos. Um ódio inexplicável ao próprio Lula e ao PT por parte de segmentos expressivos da sociedade. Por outro lado, gerou um fortalecimento imenso do petista. Lula já era quase carta fora do baralho. Mas, a preço de hoje ele seria imbatível em 2018. No que está posto, muitas histórias não são contadas. Ou são contadas pela metade. Talvez contadas por desafetos ou correligionários. Por exemplo, em relação à Rede Globo. Dizem que está no vermelho. Perdeu espaço para a Netflix, para o Facebook, para as redes sociais. A Globo parou no tempo. Praticamente as pessoas hoje ligam maisocomputador que a TV. Suas novelas já não encantam tanto assim as novas gerações. Dizem também que a CIA comanda tudo lá da cozinha do Trump. Ou seria do sanitário? Dizem que o Juiz Moro é o próprio dito cujo. Enfim, são muitas estórias travando uma história.


Estamos vivendo um caos nitidamente planejado. Os escândalos acontecem em sequência. Um abafa o outro e tudo fica inconcluso. Agora já dizem que as provas das últimas gravações são inconclusivas quando as gravações de Jucá já eram suficientes para um freio de arrumação na Lava-Jato. Cunha na cadeia é como Fernandinho Beira-Mar e Marcola. Não perdeu o comando.  Não vacila na propina. Seu silêncio vale milhões e ele sabe. Por outro lado, o Juiz Moro, forjado herói midiático, não deseja a “delação premiada” do Cunha. Por que, Moro? Estamos à mercê de uma verdade que jamais nos será contada. Ficará para os historiadores dos próximos vinte anos desvendar, conforme o interesse das classes que representam. Enquanto isso, o país afunda dia após dia. Escândalo após escândalo. Parece que estamos retornando de um sonho, montados num pesadelo tão enigmático que dá medo de acordar.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Uma crise bem mais profunda

Por Lau Siqueira


Estive em Fortaleza recentemente, na Bienal Internacional do Livro. Participei de uma mesa sobre livro e leitura com algumas pessoas da área. Nomes relevantes, aliás. Inclusive o grande José Castilho. Lembramos logo o nome de Castilho quando se fala em Plano Nacional do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca. Ele é um dos pilares dessa construção. Uma das pessoas dando a régua e o compasso por aí. Claro que outros também, como Fabiano Puiba e muitos que não vou citar. Ouvi do Castilho uma informação que me alarmou bastante. Ele disse que o resultado da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou 75% de analfabetos funcionais no país. É algo extremamente preocupante e que está diretamente relacionado com a pouca atenção que ainda se dá para a leitura enquanto direito social. 

Esse índice nos lembra o poeta gaúcho Mário Quintana que dizia que “o pior analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê”. O analfabetismo funcional é a incapacidade que a pessoa tem de compreender os textos mais simples. Mesmo sabendo ler. Pois bem, esse fantasma entrou para as universidades. Não há mais como disfarçar. As deficiências do ensino fundamental e médio são cumulativas. No governo Lula tivemos algumas das primeiras preocupações com a leitura literária enquanto política pública. Avançamos muito na construção do Plano Nacional do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. São inúmeros os municípios brasileiros que ganharam bibliotecas. Vários estados estão preparando os Planos Estaduais. Ganhamos a lei do livro. Ainda que não esteja sendo cumprida.  No entanto, houve uma certa descontinuidade e no atual governo pós-golpe, uma paralisia lamentável. 

Quem conduzia a política nacional para o livro e a leitura era o MinC. No tempo em que tínhamos um ministério da Cultura. Atualmente temos apenas um balconista como ministro e um total esvaziamento de todas as pastas. Sendo a leitura literária discriminada até mesmo no âmbito cultural, podemos afirmar que no plano federal estamos reduzidos a zero. Apesar de Roberto Freire afirmar que vai priorizar a literatura.  Não vai. Não há prioridade além de salvar a própria pele num governo de ministros envolvidos em tantos atos desabonadores. Inclusive ele. Zeramos quase tudo, infelizmente. Aliás, o Brasil está no negativo. 

Pois bem. Temos acompanhado pelas redes sociais os resultados dessa imensa defasagem que aliás, não é de hoje. As posturas desnecessariamente agressivas. A falta de argumentos diante dos fatos. A supressão do contraditório. A pouca habilidade para o manejo de uma linguagem minimamente compreensível. Como dizia Francis Bacon, “a leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita.” Entendo que existem inúmeras responsabilidades. Uma delas, logicamente, do poder público por não priorizar a escrita enquanto estratégia pedagógica para as escolas públicas, principalmente. Compreendendo que a leitura não é apenas uma atividade escolar. O livro precisa ser um objeto do cotidiano. Claro, temos honrosas exceções. Mas, a regra é de doer. Outra responsabilidade é do mercado do livro. O mercado editorial brasileiro está transnacionalizado. Sobrevive das amenidades. Leituras para não pensar. Best Sellers de qualidade duvidosa. Colocou a literatura, principalmente contemporânea, na extrema marginalidade. Uma Bienal se instala numa cidade com um investimento público altíssimo, mas não deixa um único livro para as bibliotecas ou programas de leitura. 

É hora de pensarmos um pouco mais nisso. Em meio à crise, temos avanços significativos. Verdadeiros guerrilheiros e guerrilheiras da leitura espalhadas pelo Brasil. São os semeadores e semeadoras da esperança. Projetos lindos sobrevivendo quase sem apoio ou completamente sem apoio. Os gestores públicos que ainda insistem na defesa da leitura, recebem muitas vezes a apatia em resposta. As universidades também têm responsabilidade, pois estão formando profissionais que não leem. Inclusive professores de literatura. Claro, ressalvo as exceções honrosas. No entanto, experiências cotidianas em algumas escolas, em ONGs. Feiras literárias que começam na sala de aula. Professores e professoras que levam a literatura para seu alunado. Esses sabem do poder transformador e do papel da leitura na qualidade do ensino e na construção cidadã. Mas, ainda são poucos. Infelizmente muito poucos. Está na hora do Brasil pensar nisso. Afinal, estamos na terra de Machado de Assis e Augusto dos Anjos.

Leia mais: http://paraibaja.com.br/uma-crise-bem-mais-profunda/

segunda-feira, 8 de maio de 2017

UM PAÍS CHAMADO PRINCESA

Este casarão abrgou um hospital na  Revolta de Princesa.
Depois foi residência do Cel.Zé Pereira.
Por Lau Siqueira



“Nós somos pernambucanos”. Esta frase dita por um apaixonado pesquisador da cidade de Princesa Isabel, no Sertão da Paraíba, me impactou bastante. Inicialmente entendi como um choque necessário para se começar uma boa conversa sobre algo precioso e profundo. Eu estava certo. Mas, no breve convívio com o cidadão, compreendi o sentido do que foi dito. A rebeldia faz parte da história de Princesa. A relação com Pernambuco também é histórica. Naqueles tumultuados anos 30 os coronéis exportavam seus produtos pelo porto de Pernambuco. Aliás, causando enormes prejuízos à Paraíba. Se estivesse no território pernambucano, na mesma circunstância, certamente ele afirmaria ser paraibano. Portanto, não se trata de uma postura de repulsa, mas de contestação ao abandono. Parece que nunca mais Princesa desgrudou da pele a denominação de Território Livre. A história deixou uma tatuagem na memória da cidade. Nos dias de hoje, vejo reascender na alma princesense o espírito desafiador que impôs ao país a sua história.

Ao visitar os casarões daqueles tempos idos, a sensação que temos é que o município de Princesa Isabel viveu um sono profundo depois de tantos progressos, escaramuças e esquecimentos. Parece que o prefeito atual, Ricardo, juntamente com sua sua equipe, está disposto a redescobrir a ousadia enquanto patrimônio moral do povo da terra de Canhoto da Paraíba, Alcides Carneiro e do lendário Coronel Zé Pereira. Os casarões de Princesa Isabel, por sinal, identificam naturalmente o grau de desenvolvimento da cidade nos primeiros 30 anos do Século XX.  Uma estrutura feudalista e caudilhesca predominava nas estruturas sociais da época. O fato é que os acontecimentos em Princesa Isabel foram deixando marcas que resistem ao tempo. Mesmo excluídas na lembrança da maioria. Este é, provavelmente, o maior patrimônio de Princesa Isabel. A sua melhor estrada para retomar o merecido destaque no desenvolvimento econômico, social e político da região. Um despertar para a soberania diante de si mesma.

Em poucas palavras podemos dizer que a “Revolta de Princesa”, como ficou conhecida, ancorava-se num poderio bélico considerável. O Coronel Zé Pereira contava com um exército de cerca de 1.500 homens armados, sendo que alguns eram egressos do cangaço e desertores da própria polícia paraibana. Era bem mais do que a soma total dos batalhões da Polícia Militar da Paraíba naquela época. A cidade acumulava bravuras no enfrentamento ao bando de Lampião e à Coluna Prestes. Assim Princesa tornou-se território livre no dia 28 de fevereiro de 1930, com bandeira, hino e leis próprias. Um marco de rebeldia na história deste país. Com a morte de João Pessoa o Coronel Zé Pereira sentiu a sua revolução suficientemente sangrada de morte, penso eu. O resto já se sabe. O mito que se criou em torno do nome de João Pessoa e veio um esmagamento sobre a história de Princesa. Com mortes, torturas e a tradicional covardia dos vencedores.

Quando penso no silêncio que restou para esta cidade, penso também que a história nunca se cala. De alguma forma sempre há os resistentes. Agora, numa nova lógica. Com o desejo de desenvolvimento ancorado na própria história. Aos vencedores, parece que estrategicamente era preciso manter Princesa Isabel adormecida. A sua riqueza e seu o vigor político eram tão evidente que basta verificar algumas fotos da época que vamos encontrar os prédios ainda existentes, plenos de exuberância, ao lado de uma miséria praticamente generalizada no interior. Princesa, pois, foi jogada no abismo juntamente com as suas memórias. Mas, elas ainda pulsam forte em cada esquina.

Hoje tudo isso e muito mais é objeto de muitos estudos. Existe uma bibliografia generosa sobre a história de Princesa. Uma história mais que viva. As marcas dessas turbulências estão ainda pulsando nas vidas hoje existentes. Na realidade, vivemos todos a mercê da história. Ninguém escapa. Destituir o poder político e diminuir a importância de Princesa Isabel foi alvo de disputas políticas nos anos posteriores. Uma estratégia, aliás, que já causou um prejuízo enorme ao Estado. Princesa Isabel viveu durante décadas numa quase letargia diante de um poder econômico concentrado entre João Pessoa e, no máximo, Campina Grande. Perdemos todos com este isolamento. Naturalmente as relações com Pernambuco se tornaram naturais com a proximidade geográfica. Algo que devemos ver hoje com bastante otimismo. Afinal, a Paraíba precisa existir também para além das suas fronteiras.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

A Pedagogia do Afeto

Luizinho Barbosa, um professor fazendo a diferença.
Escrever é um ato posterior à leitura. Portanto, afirma a importância de um aprendizado que começa na identificação dos códigos da leitura. Em cada processo de incentivo à escrita criativa a leitura se faz presente de forma acentuada. Especialmente a leitura literária. Temos consciência do que representa esta relação criativa no desenvolvimento geral da criança e do adolescente. Lacunas que não serão jamais preenchidas em outros momentos da vida. É o conhecido “aqui e agora” da Educação. Portanto, se trata de uma ação que transcende a sala de aula. Representa uma certa pedagogia do afeto. Um ato solidário do mestre para com seus alunos. Uma sedução para o conhecimento e para a expressão deste conhecimento. Um legado que um professor ou uma professora deixa para seus alunos. Uma marca em suas vidas.
A Escola de Ensino Fundamental e Médio Arruda Câmara, em Pombal-PB,  desenvolve esse projeto com seus alunos e alunas através do professor e produtor cultural Luizinho Barbosa. Luizinho é um cidadão que fez da sua própria vida uma escada de partilhas com a comunidade. Criou no seu quintal o único teatro da cidade de Pombal no Sertão da Paraíba. Reparte com seus alunos e alunas os saberes e os sabores da identidade cultural nordestina e paraibana. Ensina a ler livros, a escrever poemas, mas sobretudo ensina o caminho do reconhecimento dos Mestres da identidade cultural.  Ou seja: ensina a ler os livros, mas também ensina a ler o mundo. Segue, portanto as pegadas de Paulo Freire. Os resultados sempre são animadores. A escrita criativa e o contato com a Literatura são legados de humanização dos processos de ensino e aprendizagem.
Ele organizou uma publicação que será lançada em breve, com uma produção coletiva de jovens do ensino fundamental e médio. As temáticas são as mais variadas e o predomínio do verso livre nos mostra que as portas e as influências do Modernismo estão abertas na terra de Leandro Gomes de Barros, o Príncipe dos Poetas, segundo Drummond. O deslumbramento com o mundo, as descobertas amorosas, os desejos de uma vida mais justa, a celebração da amizade. A relação da juventude com a necessidade de expressar sentimentos são as temáticas predominantes. No entanto, a relação com a natureza, o sentimento de responsabilidade com o planeta também está presente.  Tudo cabe no impulso criativo desses jovens poetas e leitores. O Sertão enquanto inspiração temática não poderia deixar de mostrar a sua árida ternura.
Temos aqui, pois, uma pequena mostra de um trabalho que prossegue no cotidiano. Algo que vai impulsionando essas pequenas almas no voo incerto do futuro. No lugar que ainda irão chegar e que a pegada criativa da poesia, certamente, os fará acelerar o passo. O incentivo à escrita criativa é, sobretudo, o incentivo à leitura literária. E como disse o francês Roland Barthes, “a Literatura contém muitos saberes.”  Portanto, o que parece apenas uma publicação de jovens poetas, sobretudo, é um voo para o futuro. Uma guinada de superações e de prazeres infinitos no contato com o conhecimento.  Certamente que nem todos aqui serão escritores. Mas, certamente estamos diante de uma ação educativa para a cidadania.

Sobretudo um ato de amor em uma ação continuada.

Come

sábado, 15 de abril de 2017

Sobre pixo, grafite, arte e cidade

A vida urbana é um livro que precisa ser lido com atenção. Aliás, um livro ilustrado. As coisas que acontecem pelas esquinas, pelos becos, geralmente passam em brancas nuvens. O cotidiano e a pressa de viver oculta muitas verdades. Recentemente, passando pelas Três Ruas, no bairro do Bancários, em João Pessoa, vi uma casa abandonada (quase em ruínas) com uma grafitagem bacana e uma frase muito significativa escrita no portão: “tanta casa sem gente, tanta gente sem casa.” Quem mora por aqui sabe que as casas originais do Bancários são bem estruturadas. Nenhum luxo, mas uma boa estrutura. O conjunto habitacional é de um tempo em que ser bancário era quase um passaporte para a classe média. No entanto, em um lugar considerado privilegiado de um bairro tão cheio de intelectuais, artistas e outros trabalhadores, o impacto de uma intervenção artística numa residência abandonada tem provocado, no máximo, muita indiferença. Entretanto, essa transgressão alerta para um debate necessário. A rua e o ambiente urbano é palco, tela e espaço de publicação. Poemas, frases sensuais, filosofia, protestos políticos, mensagens do crime organizado, mas também e principalmente, signos de uma abundante invisibilidade social. Algo cada vez mais visível, por sinal. Desafios cada vez maiores. Perigos cada vez mais tensos.
Neste caso, o vandalismo foi cometido pelo dono de um imóvel que poderia estar alugado, ou mesmo cedido para alguma instituição, caso o dono não desejasse fazer uso do local. A intervenção artística chegou como denúncia social. A desigualdade não nos basta. Bastaria uma ocupação de sem tetos no local para chegar uma ordem judicial de desocupação. Enfim, este é um resumo desses confrontos cotidianos da modernidade. No caso, a grafitagem no local transforma as ruínas em mensagem sobre uma realidade que precisa mudar. Além do patrimônio que se cria enquanto arte sem fronteiras, ou sem galerias, como queiram. Segundo me informa o Giga Brow, trata-se de uma obra do artista Joint da PDA. Provavelmente sequer das pessoas que fazem caminhadas matinais por ali prestam atenção na profundidade da frase escrita. Sequer estão atentos para o que consideram sagrado: a propriedade privada que, desta forma, se coloca em questão. Mas, não vamos aqui discutir a origem da propriedade privada. Continuo entendendo que, em diversas situações, o abandono incomoda muito menos que a ação transformadora.
Mas, vamos dar um rolezinho noutra margem. Vamos que vamos, mas sabendo que vou escrever sobre coisas das quais não tenho certeza alguma. Não creio que o pixo possa ser visto apenas como vandalismo e seus agentes possam ser condenados como vândalos. Mesmo que muitos possam e queiram ser apenas vândalos. Mesmo que muitos sejam a apenas expressão desarticulada de uma revolução silenciosa. O pixo é a voz do silêncio. Mais que isso: é também a transgressão do silêncio. A fala de uma geração acostumada ao abandono e aos vandalismos do sistema. O pixo é quase sempre uma expressão da feiura das cidades. Uma feiura que se revela, por exemplo, no aumento da população de rua. O que está nos muros, está também nas calçadas. Já grafite pode ser uma intervenção artística muito interessante. Estetica e socialmente mais palatável que o pixo. Mas, pode ser também a pintura infantilizada e malfeita, eivada de clichês. O fato é que ao se apresentar como linguagem urbana, o pixo se oferece também como instrumento de comunicação para a invenção artística. Cripta Djan, o pichador mais influente de São Paulo, ajuda a entender o que o movimento do pixo (com X mesmo) pensa sobre arte, política e a diferença entre pixação e grafite. Para ele, o pixo é o que existe de mais conceitual na arte contemporânea.
O que eu quero dizer com todas as letras é que nem todo grafiteiro é artista e nem todo pichador é vândalo. No entanto, todos são transgressores. Como Salvador Dali foi um transgressor. Como Maiakovski foi um transgressor. Como Tristan Tzara que com o Dadaísmo, colocava todos os transgressores no bolso. O debate generalista que se forma em determinados grupos, obedece apenas o padrão estético da classe média brasileira que se incomoda com o pixo, da mesma forma que se incomoda com o morador de rua. De certa forma atéaceita e gosta do grafite. O cidadão não quer saber o porquê das coisas. Pedir para que reflita sobre a origem da questão é pedir demais. A classe média vive de imagens construídas num olhar que não lhes pertence. Num modelo existencial construído ideologicamente como se fosse um jazigo das estruturas milenares do poder político.
Esses conflitos retratam de maneira fiel a realidade social brasileira e, de certa forma, até mesmo mundial. A forma como as pessoas se veem umas às outras. A forma como se relacionam. Sejam essas pessoas grafiteiros, pichadores, artistas ou gerentes de multinacional. A forma como se relacionam é que vai ou não fazer a diferença. Por exemplo, sempre soube que existe um pacto moral entre grafiteiros e pichadores. De certa forma acho que existe, pois nunca vi um pichador transgredindo uma grafitagem. São os códigos da rua. Seja uma intervenção meramente social ou inequivocamente artística. Sim, porque devemos compreender que alguns artistas maravilhosos como os que temos por aqui, Shiko, Giga Brown, Marquinos Perfect, Cibele Dantas, Thayrone Arruda e outros e outras se firmaram na arte tendo o grafite como linguagem. Hoje, me parece, transgrediram a própria linguagem. Não são todos iguais. Cada qual soube construir sua identidade artística, um estilo. Ou seja: o indivíduo com o seu talento pessoal transgrediu a própria opção coletiva. Isso é ruim para o grafiti como expressão? Acho que não, pois arrastou toda uma tribo para a visibilidade e ainda consolidou nos salões um discurso que é das ruas. Mas se há um pacto solidário, de não agressão ao espaço conquistado, entre grafiteiros e pichadores, o mesmo não ocorre com outras modalidades de arte.  Especialmente da arte pública. Por exemplo, o monumento ao Cavalo Marinho feito pelo artista plástico Wilson Figueiredo e localizado em frente a UFPB, está pichado.  A estátua de Jackson do Pandeiro, recentemente, recebeu uma intervenção em tinta que algumas pessoas identificaram como lágrimas, para minimizar o impacto de uma intervenção que não guarda o mesmo respeito entre pichadores e grafiteiros, guardadas as devidas tretas.  Existe, portanto, algo a ser debatido. Algo precisa ser dito. Continuo entendendo uma obra de arte como um ser independente até mesmo do seu criador. Algo que precisa ter sua integridade preservada. Do outro lado temos um Dória da vida, cheio de estupidez, achando que limpa a cidade despejando sem teto e cobrindo pichações e grafitagens. Que tal ampliarmos esse debate? Sabendo que as respostas necessárias para o momento, não poderão jamais ser conclusivas.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Entre o Lajedo e a Palavra - lá vem a VIII FLIBO

Por Lau Siqueira




Boqueirão é uma cidade da Paraíba situada no Cariri. Uma cidade cheia de possibilidades, onde em breve a transposição do Rio São Francisco trará mais que água para a Cidade as Águas.  Terra das Crocheteiras e  das redes. Geografia generosa onde a beleza das pedras e a generosidade do povo são e sempre serão a matéria primordial para a maior e mais importante feira literária da Paraíba. Falo da FLIBO – Festa Literária de Boqueirão, comandada pela ABES – Associação Boqueirãoense de Escritores e que este ano deverá homenagear Chico Buarque. Evento literário que foi se atrevendo nas proposituras de uma política pública em torno do livro e da leitura. Ação pedagógica que nos lembra Roland Barthes, quando diz que a “literatura contém muitos saberes”.  Um marco na economia criativa da região. Seja pela ação contínua, seja na opção pela autonomia. Uma produção que nasce e se mantém na sociedade civil. Mesmo que precise das parcerias. Aliás, sempre necessárias com os governos municipal, estadual e até federal. Logicamente que muitos outros.

Muito mais que isso. A FLIBO vem se firmando através dos diálogos que passam principalmente pela sala de aula, no encantamento das novas gerações com a literatura e com os livros. Inclusive pelos bons frutos que ações desse tipo provocam na qualidade da ensino. Algo, aliás, indiscutível. Todavia, não para por aí. Traz para si o debate intelectual e ainda sabe extrair as melhores sementes para um plantio de boas referências da cidade, do Cariri e da Paraíba. Claro que este ainda não é o entendimento da grande maioria. Há os que duvidam. Aliás, cada vez menos. Foram muitos os avanços nos últimos sete anos. Mas, a FLIBO tem servido também como espelho para outras vocações da região. Principalmente no âmbito da Economia Criativa. Tudo numa cidade acostumada com a tradição rural e seus frutos. A FLIBO há muito extrapolou Boqueirão. Começa de forma segura a extrapolar a Paraíba. Vem como um olhar crítico para as cidades que teimam em desistir das suas vocações para apostar em eventos midiotizados que retiram da cidade uma soma enorme recursos e deixam pouco mais que latinhas de cerveja espalhadas pelo chão.


A VIII FLIBO traz um diferencial. Tanto pelo que já frutificou quando pela sua capacidade de reinvenção. Está inserida, também,  dentro de um roteiro de turismo cultural que haverá de ser traduzido  como um dos mais socialmente saudáveis. Dialoga com o patrimônio arqueológico da região. Especialmente no Lajedo do Marinho, onde as pedras disputam com as palavras a poesia da ancestralidade. Este ano, em agosto, acontecerá a oitava edição ininterrupta da FLIBO – um evento que se transformou numa confluência de boas energias. Uma vivência pedagógica que passa pelas escolas, mas também vai à praça, ao açude, desfila pelas ruas da cidade numa marcha que alerta com alegria para o que realmente importa que é a força da comunidade. Ombro a ombro, realizando o sonho de servir e servir-se da vida com inteligência e sensibilidade. Certamente a compreensão dessa lógica deve germinar onde as dissonâncias imperam.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...