domingo, 23 de setembro de 2012

Cantiga de grilo/ No tiro ao Álvaro/ Um riso do estilo*



Em “A Farmácia de Platão”, Jacques Derrida consegue resumir a fórmula do que podemos considerar uma boa leitura. Já no primeiro parágrafo o pensador francês diz que “um texto só é um texto se ele se oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei de sua composição e a regra de seu jogo.” Para o exercício a seguir  queremos propor que  a leitura seja realizada com olhos de quem lê uma fotografia. De preferência, dialogando com Derrida na complementação da imagem e no jogo das suas possibilidades. A leitura, então, conduzirá ao impacto de uma “aventura planejada”, como diria Décio Pignatari. Algo que, aliás, tem um peso-pesado na linhagem e no drible de um haikai tão brasileiro quanto o Rei Pelé.

Há quem diga que essa forma japonesa já ganhou sua autonomia na flora diversa da Língua Portuguesa. Outros classificam pejorativamente essa autonomia de micro-soneto. Alguns, com um olhar de Babalorixá sobre a espiritualidade das flores,  sequer a reconhecem. Esse debate renderia um longo ensaio. Fato que consideramos descabido neste momento. Na verdade, entendemos que o que deve prevalecer no haikai é o prazer da leitura a partir do desnudamento da imagem. Portanto, na sensação de descoberta de um mundo novo a cada sílaba. Tudo isso nos parece natural nas páginas que se seguem, neste “Tão breve” aguaceiro de pequenas chuvas.  Álvaro Posselt  persegue as imagens como um caçador  e sabe, como poucos, deixá-las suficientemente livres da configuração formal. Assim, o leitor pode recompor contextos e conteúdos a cada leitura.


O autor, deliberadamente, brinca com as palavras. Ora adentrando pelo campo da ironia, ora colhendo das muitas temáticas um olhar crítico, por exemplo, sobre o impacto das novas tecnologias. O impensável para um haikai passa a ser uma provocação gramatical e uma provação aos movimentos cotidianos da linguagem nas rede sociais: “Páginas do Orkut/ Essa tal de gramática/ naum c diskut”. Um texto que revela o bom humor deste escritor da terra de Paulo Leminski e Alice Ruiz, dois expoentes, dois inventores, dois mestres do mais saboroso, original e certeiro haikai made in Brazil. Nem mesmo as radicais mudanças climáticas de Curitiba escapam ao olhar condensado de quem conhece profundamente a tradição de Basho: “Curitiba não nos poupa/ Ontem eu tomei sorvete/ Hoje eu tomo sopa”. Ou seja: o comportamento humano dentro das mutações de temperatura cabe inteiro na construção poética deste escritor paranaense. Um criador que optou por não algemar suas possibilidades.

O autor faz da linguagem um parque de diversões, onde tudo é possível. “Anedota infantil/ Pinóquio tira folga/ no primeiro de abril”: faturas como esta mostram que o poeta ambiciona sempre extrapolar seus limites. Amante apaixonado que é desta poética de origem nipônica e estudioso das possibilidades desenvolvidas no Brasil. Convicto do olhar pedagógico que sua condição de professor impõe com naturalidade, Álvaro Posselt se firma com este “Tão breve” - belo, denso, irônico e filosófico –, como  colecionador de sorrisos dentro desta estranha, rica e sempre renovada literatura contemporânea brasileira.  

Desta forma o poeta vai adensando seu estilo e buscando caminhos para uma construção poética onde o leitor é o verdadeiro protagonista. Tudo com uma imensa capacidade de sedução em cada poema. Até desaguar de vez nas energias que, segundo Barthes, nos conduzem pelos caminhos de um saber multiplicado. Temos aqui um livro onde a obrigação da leitura é derrotada pelo prazer de incorporar-se ao riso de cada palavra.

 Lau Siqueira

*Prefácio do livro "Tão breve", do escritor paranaense Álvaro Posselt

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