domingo, 15 de julho de 2018

MEMÓRIAS DE UMA VIDA SEM PLUMAS


Minha formação política se deu nos movimentos sociais do final dos anos 70 e início dos anos 80. Movimentos popular e sindical, principalmente. Lá adquiri uma coisa chamada “consciência de classe”. Importante demais. Porto Alegre fervilhava. Começavam as mobilizações da luta pela Anistia aos presos políticos, luta pelas Diretas Já. Luta pela Constituinte, também. Tudo ali, naquele miolo de tempo. Uma construção difícil. A direita alucinógena queimava bancas de jornais onde se vendia o Pasquim e o Coojornal. Grupos pamilitares explodiam aparelhos do partido com granadas. Nessa época, não foram poucas as vezes que cruzei com Olívio Dutra panfletando nas campanhas dos bancários. Eu era comerciário. Nos cumprimentávamos sempre com pressa. Trabalhei nas Casas Masson, na Mesbla, na Hermes Macedo. Todas extintas. Fui operário da Cia Geral de Indústrias, também. Mas, nunca tive saco para as liturgias das estruturas partidárias. Golpe em cima de golpe. Mesmo na esquerda. Tinha uma vontade trotskista, mas fui começar logo no Partidão. O stalinismo me chamava para ter o prazer de me expelir logo em seguida. Olha que contradição. Na época, era um charme pertencer ao partido do Chico Buarque.
Lembro que em 79 ou 80, tive uns probleminhas sérios com o MR8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Os caras eram chegados na pancadaria. Iam armados de correntes e porretes para as disputas dos movimentos universitários e sindicais. Tive o azar de confrontá-los no movimento sindical. O Partidão apoiando uma chapa da qual fiz parte e eles do outro lado. Numa noite, cervejando estrelas com amigos e amigas, conheci o braço selvagem do MR8. Vinham numa Brasília amarela e não eram Mamonas Assassinas. Mas, como eram chucros. Desceram armados de porretes em nossa direção. Dei cobertura aos companheiros para a fuga e fiquei no meio da perdição. Encarei dois aos sopapos e chutes e eles aos porretaços, nas costas e braços. Os dois covardes pediram socorro e um terceiro acertou minha cabeça.
Acordei no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Todo ensanguentado. Autografaram minha cabeça. São oito pontos que ainda hoje me ajudam a saber quando vem chuva. O médico disse que foi por pouco. Estava tão fodido que até a morte me rejeitou. No dia seguinte ainda tive que encarar uma mentira calhorda. Foram para a esquina democrática com um panfleto onde um camarada aparecia com a perna enfaixada. Me acusavam de tê-lo agredido. Nem sabia quem era o cara. Peguei um panfleto, olhei pra cara do militante oitista e perguntei: quem é Lau Siqueira? “Um Criolo do Morro da Tuca”, respondeu. Eu disse: Lau Siqueira sou eu, cara. Olha o que vocês fizeram comigo (mostrando a cabeça enfaixada e o braço). Ele riu e me abraçou. “É foda, meu camarada. Você nos atrapalha.” Resultado, o MR8 foi um movimento revolucionário com uma participação importante na luta contra a ditadura, mas endireitou. Morreu abraçado com um político tradicional chamado Orestes Quércia. Morreu como movimento. Foi para o lixo da história com suas contradições.
Hoje quando vejo um movimento, mesmo de esquerda, tentando se firmar pela mentira e pela perversidade, já prevejo seu futuro. Um prejuizo enorme para as lutas populares. Ah, e eu sou o cabeça dura que oito pontos de uma paulada não acovarda. De lá para cá a vida me deu outras pancadas. Continuo apanhando sempre. Aprendi com as pancadas, mas prefiro as braçadas solidárias de uma construção classista. “Nós somos do mesmo partido social”, lembro desta frase dita por parte de militantes com as quais cruzei na vida. Também lembro da frase “quem me protege não dorme”. O problema é que meu anjo da guarda é insone, parece. Às vezes cochila e me deixa em apuros. A luta continua, camaradas. Não viemos do espaço.

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