domingo, 23 de setembro de 2012

O SILÊNCIO DAS PRAÇAS


Às vezes, criticamos de forma aguda o que existe e silenciamos diante das supressões, das omissões, dos apagões e do vazio. O Movimento Cultural pessoense se mostrou perplexo e inquieto diante  de uma notícia sombria: este ano não haverá o Circuito Cultural das Praças. O desprezo foi tamanho que sequer anunciaram o fim de um projeto que há seis anos envolvia  milhares de pessoas. É certo que havia a necessidade de muitos ajustes. Mas, haveremos de concordar que sua extinção  pura e simples é um tiro no pé da política cultural da cidade.

O Circuito Cultural das Praças nasceu em 2006, no Anfiteatro Lúcio Lins. Uma articulação da FUNJOPE com a comunidade artística dos Bancários. Depois foi se espalhando na Praça do Coqueiral, na Praça Bela, Praça do Caju... E funcionava como um respiradouro nas praças que estavam sendo construídas e revitalizadas. Depois vieram bairros como Castelo, Gervásio, Manaíra, Padre Zé, Cidade Verde...  Eram tantas as praças!  Mas, a verdade é que o Circuito cresceu e os problemas também. O primeiro deles foi a incapacidade de um atendimento decente por parte das empresas prestadoras de serviço de sonorização. Outro problema foi a perda do protagonismo das gestões culturais comunitárias, com o lançamento de editais generalizantes. Optou-se pela quantidade em detrimento da qualidade. Os editais não selecionavam, bastava uma inscrição. Portanto, admitimos que ouve sim um refluxo e o impacto maior foi na perda do diálogo comunitário.

Tudo poderia ser consertado. Tudo poderia ser dialogado e reconstruído. A FUNJOPE ainda tentou uma saída na parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social. Melhorou, mas ainda não ficou “no grau”.  Este ano, ficamos esperamos um diálogo com a comunidade cultural para retomar o Circuito. Não rolou nada. Sem qualquer justificativa oficial a circulação da produção cultural da cidade nas praças, de setembro à março, foi suprimida. Não sabemos o motivo, mas os jornais apontam para um déficit de 46 milhões na Prefeitura de João Pessoa. Algo que preocupa, pois a FUNJOPE acaba de lançar um edital de R$ 1 milhão para a área do áudio-visual e anunciar uma versão paraibana da Virada Cultural paulista. Não sabemos se haverá recursos para pagar despesas que não estavam previstas na Lei Orçamentária, mas as praças já foram caladas.

Esperamos que o vazio criado com a extinção do CCP não seja tão danoso para a democratização desses espaços públicos. A cidade que queremos ainda é aquela onde as pessoas silenciavam, mas para ouvir um solo de tímpano, um babau, uma tribo, um rock, ou a Orquestra de Violões tocando Vila Lobos. João Pessoa é uma cidade que aprendeu a ouvir e gosta de ser ouvida.   

 

Publicado na edição de hoje do Jornal da Paraíba.

Cantiga de grilo/ No tiro ao Álvaro/ Um riso do estilo*



Em “A Farmácia de Platão”, Jacques Derrida consegue resumir a fórmula do que podemos considerar uma boa leitura. Já no primeiro parágrafo o pensador francês diz que “um texto só é um texto se ele se oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei de sua composição e a regra de seu jogo.” Para o exercício a seguir  queremos propor que  a leitura seja realizada com olhos de quem lê uma fotografia. De preferência, dialogando com Derrida na complementação da imagem e no jogo das suas possibilidades. A leitura, então, conduzirá ao impacto de uma “aventura planejada”, como diria Décio Pignatari. Algo que, aliás, tem um peso-pesado na linhagem e no drible de um haikai tão brasileiro quanto o Rei Pelé.

Há quem diga que essa forma japonesa já ganhou sua autonomia na flora diversa da Língua Portuguesa. Outros classificam pejorativamente essa autonomia de micro-soneto. Alguns, com um olhar de Babalorixá sobre a espiritualidade das flores,  sequer a reconhecem. Esse debate renderia um longo ensaio. Fato que consideramos descabido neste momento. Na verdade, entendemos que o que deve prevalecer no haikai é o prazer da leitura a partir do desnudamento da imagem. Portanto, na sensação de descoberta de um mundo novo a cada sílaba. Tudo isso nos parece natural nas páginas que se seguem, neste “Tão breve” aguaceiro de pequenas chuvas.  Álvaro Posselt  persegue as imagens como um caçador  e sabe, como poucos, deixá-las suficientemente livres da configuração formal. Assim, o leitor pode recompor contextos e conteúdos a cada leitura.


O autor, deliberadamente, brinca com as palavras. Ora adentrando pelo campo da ironia, ora colhendo das muitas temáticas um olhar crítico, por exemplo, sobre o impacto das novas tecnologias. O impensável para um haikai passa a ser uma provocação gramatical e uma provação aos movimentos cotidianos da linguagem nas rede sociais: “Páginas do Orkut/ Essa tal de gramática/ naum c diskut”. Um texto que revela o bom humor deste escritor da terra de Paulo Leminski e Alice Ruiz, dois expoentes, dois inventores, dois mestres do mais saboroso, original e certeiro haikai made in Brazil. Nem mesmo as radicais mudanças climáticas de Curitiba escapam ao olhar condensado de quem conhece profundamente a tradição de Basho: “Curitiba não nos poupa/ Ontem eu tomei sorvete/ Hoje eu tomo sopa”. Ou seja: o comportamento humano dentro das mutações de temperatura cabe inteiro na construção poética deste escritor paranaense. Um criador que optou por não algemar suas possibilidades.

O autor faz da linguagem um parque de diversões, onde tudo é possível. “Anedota infantil/ Pinóquio tira folga/ no primeiro de abril”: faturas como esta mostram que o poeta ambiciona sempre extrapolar seus limites. Amante apaixonado que é desta poética de origem nipônica e estudioso das possibilidades desenvolvidas no Brasil. Convicto do olhar pedagógico que sua condição de professor impõe com naturalidade, Álvaro Posselt se firma com este “Tão breve” - belo, denso, irônico e filosófico –, como  colecionador de sorrisos dentro desta estranha, rica e sempre renovada literatura contemporânea brasileira.  

Desta forma o poeta vai adensando seu estilo e buscando caminhos para uma construção poética onde o leitor é o verdadeiro protagonista. Tudo com uma imensa capacidade de sedução em cada poema. Até desaguar de vez nas energias que, segundo Barthes, nos conduzem pelos caminhos de um saber multiplicado. Temos aqui um livro onde a obrigação da leitura é derrotada pelo prazer de incorporar-se ao riso de cada palavra.

 Lau Siqueira

*Prefácio do livro "Tão breve", do escritor paranaense Álvaro Posselt

domingo, 2 de setembro de 2012

IDEB E LEITURA



A divulgação do resultado do IDEB – Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico mostra um diagnóstico terrível da Educação em nosso país, mas também aponta caminhos. O fundamental é percebermos que os resultados não são responsabilidade exclusiva das gestões municipais, estaduais e federal da Educação. A sociedade precisa assumir o seu papel e cobrar, mas também apontar soluções. Muitos fatores podem fazer a diferença. Sobretudo a criatividade dos profissionais e o envolvimento da comunidade. Em São Mamede temos uma situação curiosa. Enquanto a Escola Estadual Seráfico da Nóbrega bombou com 5.8, alcançando a maior nota na Paraíba a Escola Estadual Napoleão Nóbrega ficou com nota 2.9. Qual será o fenômeno que separa de forma tão acentuada o nível de ensino de duas escolas estaduais no mesmo município?

Ainda sem respostas para a questão acima lembro a escola que aparece em primeiro lugar no ranking  nacional - Escola Municipal Carmélia Dramis Malaguti, em Itaú de Minas - MG,  com nota 8,6. Segundo a diretora, Maria Rodrigues além do trabalho com os profissionais do ensino a gestão participativa e o compromisso com a leitura são os segredos do bom desempenho. Quando a comunidade participa, quando os pais são convocados e comparecem, quando a escola desenvolve o incentivo à leitura os resultados chegam naturalmente. Este é o resumo da ópera.  A leitura, no entanto, aparece como um elo fundamental. Segundo Roland Barthes, a Literatura contém muitos saberes. Ele cita exemplos como o clássico Robinson Cruzoé de Daniele Defoe, onde a História, a Geografia, a Antropologia e a Filosofia se aparecem de forma natural. Esta é uma verdade incontestável que precisa ser considerada.


(Publicado no Jornal da Paraíba do dia 26 de Agosto de 2012 - domingo)

As políticas de incentivo a leitura estão postas pelo MEC e pelo MinC.  O investimento em livros tem sido volumoso. O Brasil é o décimo produtor de livros e o MEC é o 3° maior comprador de livros do mundo. O que as direções das escolas mal posicionadas no IDEB precisam explicar é a falta de acesso aos livros pelos estudantes. Falta pessoal ou faltam recursos? Nada disso. Certamente, faltam boas iniciativas para a formação de leitores críticos. O exemplo de São Mamede é emblemático. Uma circunstância que precisa ser apurada. Desconfio muito do que provoca a diferença entre essas duas escolas sob a mesma gestão estadual. Certamente que a efetivação de políticas públicas de incentivo à leitura e uma gestão cada vez mais participativa pode fazer a diferença. Esta é apenas uma provocação, pois o desafio está posto e os caminhos para uma educação de qualidade estão cada dia melhor definidos. A realidade não muda por decreto e a vontade de muitos pode e deve fazer a diferença para as futuras gerações.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O desejo do impossível

por Lau Siqueira
A literatura contemporânea construiu elos através dos séculos e se fortalece com isso. A Poesia Visual que aparece como vanguarda no final do século XX, por exemplo, não era segredo para Simmias há dois mil anos, na Grécia. A Arte Literária é um desafio ao tempo. Através dos séculos promove releituras de cenários que evocam sua permanência. Assim, a leitura do excelente livro Microf(r)cções (Editora Multifoco-RJ, 2012) do escritor campinense Janailson Macedo Luiz, lembra naturalmente a releitura de Baudelaire em “Meu coração desnudado” (Mon coeur mis à nu) e “Rojões” (Fusées). Essas obras foram descobertas por um  biógrafo de Baudelaire e se perderiam como anotações manuscritas e dispersas. Guardadas as proporções, fruto de processos semelhantes aos relatados por Janailson acerca do método de experimentação das suas micro-narrativas.  Os textos deste “Microf(r)cções” alertam, também para as possibilidades e inquietações da chamada literatura digital. A maioria obedece rigorosamente o limite de 140 caracteres exigidos pelo Twitter. Mas, que literatura não é digital nos dias de hoje? Qualquer livro, antes de ser impresso, é transportado por e-mail ou pen-drive para a gráfica.

O cotidiano e suas cores, a sensualidade e a pornografia,  uma refinada ironia, a crítica social aguda, o passeio pelo imaginário das fábulas e até mesmo um indisfarçável olhar do historiador que é Janailson, estão presentes nesta obra que exige atenção do público e da crítica. Narrativas com começo, meio e fim em cinquenta caracteres e até menos, fazem de Microf(r)cções uma obra referencial da Nova Literatura feita na terra de Augusto dos Anjos e José Lins do Rego. O autor conhece a arte da esgrima literária. Surpreende com uma escrita madura, ainda que produzida no auge da juventude.

“Quando a cigarra Inspiração vai vadiar e falta ao serviço, a formiguinha Transpiração tem que trabalhar dobrado” (A Cigarra e a Formiga, pg 26). Este ensaio mínimo é revelador da angústia presente na metalurgia da palavra,  ofício ao qual escritores do mundo inteiro e em todos os tempos entregam suas vidas. Vale a pena buscar no Google esse escritor paraibano e localizá-lo dentro dos focos mais promissores da Literatura Brasileira deste início de milênio. Aos que asfixiam o bom senso julgando a qualidade pela extensão do texto, o livro de Janailson responde com  o escalpo de uma modernidade que se renova. Dialoga com  um futuro esvoaçante sem tirar os pés da boa literatura que  justifica a tradição e os cânones. Ah, antes que esqueça: “o desejo do impossível” é coisa de Roland Barthes. Aliás, uma das melhores definições de literatura que conheço.

(esse texto será publicado no Jornal da Paraíba do próximo domingo)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A LEITURA FAZ A FEIRA

Por Lau Siqueira
Existem consensos que parecem inúteis. Não se configuram com maior amplitude, apesar do amplo reconhecimento. As ações de incentivo à literatura e leitura são o melhor exemplo. Não há quem discorde de algumas verdades: o hábito da leitura melhora a qualidade do ensino porque torna o alunado mais ágil no mergulho do conhecimento; o hábito da leitura eleva o nível da consciência cidadã, pois o leitor estabelece uma perspectiva mais nobre para a sua vida e desenvolve um inevitável senso crítico. Certamente estamos falando aqui, não de doutrinação, mas de libertação. O hábito da leitura e mais ainda, da boa literatura, independentemente de gênero ou estilo, oferece uma possibilidade concreta de elevação da qualidade de vida. Segundo Antônio Cândido, a literatura deveria ser considerada um dos direitos humanos.

Logicamente que não queremos mascarar a realidade da indústria editorial globalizada, onde a concentração de riquezas dita as regras, com o apoio incondicional da legislação brasileira e da Fundação Biblioteca Nacional. Também não queremos confundir “apoio à leitura e literatura” com os megaeventos da indústria editorial ou com os seminários e conferências de sacralização dos escritores. Poucos empreendimentos culturais apontam para a necessária formação de leitores. A Feira Binacional do Livro de Jaguarão-RS, começa a ter essa preocupação a partir da sua quarta edição que acontecerá entre novembro e dezembro deste ano. A Feira do Livro de Boqueirão-PB, vai na mesma direção. A tradicional Jornada de Literatura de Passo Fundo-RS vem trabalhando esta perspectiva, com a difusão das obras dos autores convidados. Esses formatos, no entanto, são raros.

Neste frio inverno de Porto Alegre, os editores gaúchos organizados decidiram dar um importante passo para a sua própria sobrevivência. Organizaram a 1ª Festa da Leitura aconteceu semana passada, entre os dias 2 e 9 de julho, no charmoso Mercado Público de Porto Alegre. Um evento que busca incrementar a formação de professores e bibliotecários, principalmente. Profissionais que atuam  como mediadores entre o leitor e a obra literária. A 1ª Feira da Leitura apresentou uma programação com oficinas de mediação e atividades de incentivo à leitura. Contação de história, leitura silenciosa, leitura em público, leitura em Braille e libras, leitura com música, leitura com teatro, leitura em grupo, direcionadas para adultos adolescentes e crianças estavam disponíveis ao público.

A organização contou com uma estrutura muito reduzida e certamente com um orçamento modesto. Com alguns importantes apoios institucionais, o Clube dos Editores do Rio Grande do Sul deseja transformar a Festa da Leitura numa ação continuada. Aqui na Paraíba, alguns abnegados servidores municipais estiveram empenhados na elaboração de um projeto semelhante, reunindo as experiências já existentes. Depois que o prefeito Luciano Agra decidiu desestruturar a administração em nome dos seus interesses pessoais e ressentimentos políticos, a iniciativa deverá migrar para alguma instituição independente e, certamente, suprirá esta lacuna nas iniciativas de cunho cultural e cidadã que podem fazer a diferença para as futuras gerações de paraibanos. A forte convicção de uns poucos, certamente, mais uma vez fará história.


Texto que será publicado na próxima quinta-feira, na minha coluna do Jornal A União.

terça-feira, 3 de julho de 2012

SILVINO OLAVO

por Lau Siqueira
As novas mídias provocam uma reflexão inadiável acerca do que pode ser consagrado pela eternidade. Nestes tempos modernos grande parte dos textos publicados nascem e se consolidam enquanto arquivo digital. É verdade que muita banalidade acabará dialogando com o futuro. Todavia é concreta também a possibilidade de apagarmos as linhas de esquecimento que tangem a poesia e a vida de autores importantes. Silvino Olavo entre eles. Um autor necessário às novas gerações. O poeta nasceu no município paraibano de Esperança em 1897 e faleceu em 1969 na “Rainha da Borborema”.


Dono de uma lírica que dialogava diretamente com o simbolismo de Mallarmé, Rimbaud, Verlaine, Eugênio de Castro,  Cruz e Sousa, entre outros, Silvino Olavo foi  um pré-modernista contemporâneo da Semana de Arte Moderna de 1922. Fez parte de uma geração que provocou a ruptura definitiva com o parnasianismo, mas não com o soneto. Carregava uma indisfarçável e grata influência do poeta belga Georges Rodenbach que era, por assim dizer, seu autor predileto. Festejado pela crítica nacional da sua época, principalmente pela obra Cysnes, publicada em 1924 pela Brasil Editora e Sombra Iluminada, três anos depois,  tornou-se célebre também pela vida acadêmica. Sua tese, “Cordialidade - estudo literário, 1° série” foi transposta para o inglês e publicada em Nova Iorque no ano de 1927.

O poeta teve vida intelectual intensa, convivendo com personalidades importantes da sua época como Peryllo de Oliveira, Américo Falcão, Eudes Barros e Amaríllo de Oliveira. Promovia tertúlias em residências familiares, tendo sido um dos criadores  do conhecido “Grupo dos Novos”. A despeito de todos os dramas vividos, Silvino construiu uma obra que jamais será esquecida. Um dos motivos é o fato de representar o diálogo intelectual de uma geração que conviveu com uma intensa e turbulenta fração da história da Paraíba. O poeta era amigo de João Suassuna e trabalhou no governo de João Pessoa. Também foi colaborador do Jornal A União e da revista Nova Era. A trágica morte dos dois é apontada por alguns como uma das causas da enfermidade do poeta. Sua brilhante trajetória intelectual não  foi suficiente para poupá-lo dos sofrimentos aos quais estamos todos sempre muito vulneráveis. Silvino Olavo padeceu de transtornos psíquicos, tendo sido internado algumas vezes  no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira. Mesmo gravemente enfermo, não deixou de produzir belos versos. Faleceu no hospital Dr. João Ribeiro, em Campina Grande aos 82 anos.

“Na minha via crucis de Amargura,/ entre os ciprestes lúgubres, silentes,/ no silêncio das horas mais algentes/ venho, às vezes, beijar-te a sepultura.” Com a primeira estrofe de “Ronda Lúgubre”, poema do seu primeiro e consagrado livro, Cysnes, não poderíamos deixar de registrar esta breve provocação acerca da obra de um dos mais instigantes poetas paraibanos de todos os tempos.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Memórias de Macondo


Por Lau Siqueira

Começo minha caminhada nas páginas do jornal A União, lembrando que dia desses fiquei abatido - na verdade, bem mais que esperava - ao saber que Gabriel Garcia Marquez, uma das mentes de maior produtividade da literatura latino-americana, estava perdendo a memória. Fiquei triste pelo velho Gabo, autor de Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera, Relato de um  Náufrago, Ninguém Escreve ao Coronel, O Outono do Patriarca e outros clássicos que fizeram da América Latina um continente literário e tornaram nossos dias e noites mais plenos. O conjunto da obra rendeu a este colombiano de Aracataba, nascido em 06 de março de 1927, o Prêmio Nobel de Literatura em 1982.
Há alguns anos, circulou na internet um texto atribuído à Garcia Marquez, onde ele se despedia da vida. Alguns dos grandes jornais brasileiros publicaram o tal texto em letras garrafais. Mas, a  autoria foi desmentida pelo próprio escritor. Agora, não. Agora sentimos que ele está mesmo doente. Aos 85 anos, já não reconhece os amigos mais próximos e desde os 80 anos ele próprio vem constatando que sua mente já não é a mesma. Desistiu de escrever seu livro de memórias depois de ter perdido o irmão e ter começado a perceber que aquela sua “engrenagem criativa” começava a falhar.
Quem gosta de boa literatura acaba mantendo com os autores preferidos um certo grau de intimidade, sentindo suas dores como se fosse membro da família. Nestes tempos de cólera, quando a memória de alguns anda destruída pela ambição, pela embriaguês do poder ou mesmo pela falta de caráter, nunca é demais lembrar que somos muito pequenos diante da história. Talvez somente o realismo fantástico criado por Garcia Marques seria capaz de explicar as razões de quem esquece que as coisas conquistadas a qualquer preço, não valem quanto pesam. O que é real nesta vida é que os personagens da literatura tantas vezes são mais vivos que certos viventes.
 “A memória do coração elimina as más recordações e dignifica as boas, e graças a esse artifício, conseguimos superar o passado.” Esta frase remete-nos a reflexões. A memória de Gabriel Garcia Marquez é, na verdade,  toda uma obra construída com sotaque latino, com cheiro de povo. Ainda que passem os séculos, terá sua perenidade garantida. Todavia, entre o criador e seus personagens, existem as ruas vazias de Macondo. Lugar onde as sete gerações da família Buendía nos farão lembrar que entre a realidade e a fantasia, existem os valores humanos. Gabito, como era intimamente conhecido, soube escrever sua memória na galeria dos homens que resistem aos apelos do poder e lutam pelos direitos do povo. Por isso, quando morou em Nova Iorque, foi perseguido pela CIA. Agora é hora de rebuscar a estante e reler seus livros e perceber o quanto são pequenos alguns personagens da vida cotidiana.


Com esse texto, minha estréia semanal no Jornal  A União.

NOVO É O ANO, MAS O TEMPO É ANTIGO

Não há o que dizer sobre o ano que chega. Tem fogos no reveillon. A maioria estará de branco. Eu nem vou ver os fogos e nem estarei de b...